Quanto tempo dura uma geração nestes dias, questiona a escritora inglesa Zadie Smith em artigo na New York Review of Books [‘Generation why?‘, 25/11/2010] sobre o filme A Rede Social, que conta a história da criação do Facebook. Zadie faz a pergunta para dizer como se sente distante de Mark Zuckerberg, fundador da popular rede social, mesmo que a diferença de idade entre os dois seja de apenas nove anos.
A partir do longa, a escritora analisa a chamada Geração 2.0 – da qual afirma não fazer parte por opção. Segundo ela, são jovens que ‘passaram uma década sendo repreendidos por não fazer as pinturas, romances, músicas ou políticas certas. No fim das contas, os mais brilhantes jovens 2.0 estavam fazendo algo extraordinário. Estavam criando um mundo’.
Mente brilhante
Mark Zuckerberg, nascido em 1984, é uma destas mentes brilhantes. Em 2004, com apenas 20 anos de idade, criou o Facebook como uma rede virtual para conectar os alunos de Harvard, onde estudava. Hoje, o site onde internautas do mundo inteiro trocam informações e imagens conta com mais de 500 milhões de participantes. O percurso não foi dos mais calmos – Zuckerberg foi processado por outros três alunos de Harvard que alegam ser os verdadeiros criadores do Facebook; e por seu ex-melhor amigo, a quem botou para escanteio quando o site começava a ter crescimento significativo.
Zadie define o Zuckerberg apresentado no filme como um nerd de computador e um autista social. Ele é péssimo para lidar com pessoas reais em situações reais, ao mesmo tempo em que constrói um sistema para aproximar as pessoas via internet. O Facebook cresce com a ajuda de outro gênio da geração 2.0: Sean Parker, criador da rede de compartilhamento de músicas Napster. Ao longo do filme, Parker guia as ações de Zuckerberg mostrando-lhe o lado bom do sucesso. ‘Um milhão de dólares não é legal. Sabe o que é legal? Um bilhão de dólares’, ensina ele em uma cena em que os dois tomam drinques em uma boate acompanhados de modelos da Victoria Secret.
O que quer Zuckerberg?
Mas qual a verdadeira motivação de Zuckerberg? Quando ainda era adolescente, ele se negou a vender para a Microsoft um aplicativo para MP3 que havia criado. Ao contrário, liberou o programa de graça na rede. Por aí vê-se que dinheiro está longe de ser o que explica suas atitudes – consideradas egoístas – durante a criação do Facebook. Os três alunos de Harvard que posteriormente o processaram por plágio o haviam chamado para criar uma rede social na universidade. A ideia era boa, ele aceitou – e passou a desenvolver sozinho o Facebook. O brasileiro Eduardo Saverin, seu melhor amigo, que investiu os primeiros dólares da empresa, acabou excluído aos poucos do site depois que Zuckerberg passou a trabalhar com Sean Parker. No fim, foram feitos acordos milionários com todos os envolvidos. ‘Pague. A esta altura do campeonato trata-se de uma multa de trânsito’, diz o advogado em uma cena do filme.
Se a questão não é dinheiro, então deve ser problema de coração partido. Zuckerberg – autista social, lembre-se – leva um fora da namorada. Infeliz da vida, passa a madrugada falando mal dela pela internet. No fim do longa, o personagem pede que a ex-namorada o aceite como amigo no Facebook. Mas a justificativa de problemas com mulheres também é falha, já que a ex-namorada da telona nunca existiu. Zuckerberg tem a mesma namorada – hoje estudante de medicina – desde antes da criação da rede social.
Vida real
Zadie diz que a falta de explicações plausíveis faz do Zuckerberg em A Rede Social um ‘verdadeiro mistério americano’. O Mark Zuckerberg da ‘vida real’, pondera a escritora, é bem diferente.
‘Em um perfil de Zuckerberg na New Yorker é revelado que sua página no Facebook lista entre seus interesses ‘minimalismo’, ‘revoluções’ e ‘eliminando o desejo’. Também ficamos sabendo de sua afeição pela cultura e os escritos da Grécia antiga. Talvez seja esta a diferença entre o Zuckerberg real e o Zuckerberg falso: o filme o coloca no mundo romano das traições e excessos, mas o Zuckerberg real talvez pertença aos gregos.’
Ela continua:
‘[Zuckerberg] é desapaixonado sobre as questões filosóficas que envolvem privacidade – e sociabilidade em si – levantadas por seu engenhoso programa. […] É o tipo de garoto que pensaria que dar às pessoas menos privacidade seria uma boa ideia.’
Quando o Facebook mudou seus ajustes de privacidade, permitindo – sem consultar os usuários – que mais informações se tornassem públicas, houve muita reclamação. Zuckerberg respondeu que a privacidade é uma norma social que evoluiu ao longo do tempo, e o site criou o aplicativo Groups, que permite que as pessoas dividam seus amigos virtuais em categorias: aqueles que podem ver mais, e os que podem ver menos.
Basta saber como o Groups – que amplia a proteção da privacidade – vai funcionar ao lado da nova plataforma do site, o Facebook Connect, que permite que os usuários conectem seu perfil a qualquer outro site. As pessoas passam a usar sua identidade do Facebook em toda a rede – e bye bye privacidade.
Banco de dados
A preocupação com a privacidade é, até certo ponto, questionável. Por que as pessoas participam da rede social se temem o que os outros vão ver sobre elas? Seriam os 500 milhões de usuários do Facebook tão importantes assim para ‘compartilhar’ informações sobre aquilo que vivem ou pensam? Para questionar a utilidade do Facebook, Zadie cita o cientista da computação Jaron Lanier, autor do livro You Are Not a Gadget, que discute o modo como as pessoas ‘se reduzem’ para fazer com que uma descrição delas no computador pareça mais precisa. ‘Sistemas de informação precisam de informação para funcionar, mas a informação não representa inteiramente a realidade’, escreve ele, que defende que não há um análogo perfeito no computador para o que chamamos de ‘pessoa’. No Facebook e em outras redes sociais, a vida é resumida a um banco de dados.
Mas seriam as redes sociais, na verdade, uma evolução social? Poderiam elas próprias evoluir para se tornar a própria realidade? ‘Nós vivíamos em fazendas, passamos para as cidades e agora vamos viver na internet’, diz Sean Parker no filme. Lanier afirma que é preciso ‘ser alguém’ antes de ‘se compartilhar’ na internet. Mas, para Zuckerberg, compartilhar-se na internet, no fim das contas, é ser alguém.