Quem se dispõe a analisar os discursos e as falas emitidos por importantes executivos de Comunicação Empresarial no Brasil, ou mesmo acompanhar as peças , campanhas ou releases das nossas principais organizações, conclui , com facilidade e estupefação, que ‘as coisas parecem não andar bem por esses lados’. Isso porque há uma completa ruptura entre a teoria e prática.
Organizações que primam pelas hierarquias rígidas, pelo abuso de autoridade de seus chefes e ‘líderes’, pelo desestímulo à participação interna, pela falta de ética nos negócios e pela tentativa recorrente de manipular a opinião pública ou de desrespeitar os direitos dos cidadãos proclamam, sem qualquer escrúpulo, a sua responsabilidade social. Laboratórios farmacêuticos conceituados, apoiados por agências premiadas, elaboram campanhas enganosas, penalizando o consumidor; empresas multinacionais de prestígio maquilam a embalagem de produtos e zombam da legislação vigente. Empresas privadas e públicas poluem o meio ambiente e contam com o beneplácito e a lentidão da Justiça para nunca ressarcirem a sociedade dos prejuízos causados pela sua incúria. A cínica indústria tabagista vende produtos que matam (e alardeiam esse fato publicamente, com sorriso aberto), ao mesmo tempo em que definem estratégias para incentivar o consumo de cigarro. A indústria de bebidas promove campanhas milionárias, apoiadas na famosa ética do ‘Zé Pagodinho’, com o mote de ‘experimenta’ e, depois, na surdina, como faz a Ambev, doa bafômetros para a Polícia, visando punir os jovens que acreditaram nas suas mensagens E (incrível, não é mesmo?) são contempladas com prêmios por sua ‘ação cidadã’, freqüentam as neswletters de institutos de responsabilidade social, o que evidencia a falta de espírito crítico e de compromisso social de entidades da área, organizações e da própria imprensa, quase sempre cúmplice destes esforços não éticos de divulgação.
Um olhar mais atento sobre os house-organs escancara o controle interno da informação, o filtro existente nas organizações para privilegiar a ‘fala do dono’, o estrangulamento do debate e a ausência de pluralidade. Um discurso monocórdico , cansativo, repetitivo e que afronta o jornalismo e a prática da democracia.
As salas de imprensa, com raras exceções, não funcionam, não atendem às expectativas dos jornalistas e se resumem a depósito de releases e a apelos publicitários de gosto discutível, como aquele que preconiza ‘o marketing verde’ e o compromisso com a comunidade.
Muitas organizações fazem a apologia das parcerias com as entidades do Terceiro Setor, mas, em muitos casos, apenas apropriam-se de seus trabalhos honestos para aparecerem junto à opinião pública como empresas solidárias. Confundem responsabilidade com marketing social no pior sentido porque, na verdade, empreendem ações oportunistas para conseguir vantagens, como universidades privadas que insistem em usar celebridades (a Uniban precisa explicar direito o que o Pelé tem a ver com educação e responsabilidade social!) e em avacalhar conceitos, que deveriam ser preservados seriamente.
A indústria da comunicação, como a Globo, busca com o merchandising social anular o efeito deletério da exposição de sexo e violência nas telenovelas de grande audiência e séries premiadas e explora (faturando alto) o ‘voyeurismo’ de pessoas comuns no Big Brother Brasil. Ao mesmo tempo, valendo-se do poder econômico , irrigado pelos recursos oriundos da propaganda oficial ( e o PT dizia que iria democratizar o debate!), contribui para a exclusão social, ao endereçar para o pay per view espetáculos de grande interesse público, como os principais jogos dos campeonatos estaduais, premiação do Oscar etc. Parodiando uma novela de grande impacto, continua pretendendo ser a ‘senhora do nosso destino’.
As premiações e eventos da área continuam se caracterizando pelo chamado ‘nepotismo organizacional’. Diretores das entidades abocanham os principais prêmios de Comunicação Empresarial para suas empresas e os cases apresentados nos congressos permanecem atrelados a organizações influentes, que, muitas vezes, têm muito dinheiro (até para patrocinar os próprios eventos de que participam!) e pouco talento para mostrar. A exaltação do ego é mais importante do que o debate franco de idéias e, com isso, estudantes e jovens profissionais acabam acreditando que o universo da comunicação nas organizações é um mundo ‘cor-de-rosa’, sem perceber o espaço cinzento que o nubla.
Asséptica e amorfa
Há uma hipocrisia imensa na Comunicação Empresarial brasileira, mas agências e assessorias, preocupadas em aquinhoar clientes, submetem-se a estas estratégias, buscando manter as suas contas, ainda que estas lhes custem a identidade. Profissionais se curvam a chefes autoritários e a propostas indecorosas para garantirem os seus empregos e repetem discursos vazios (nos quais eles mesmo não acreditam) como porta-vozes sem brilho de uma realidade falsa.
A Comunicação Empresarial brasileira confunde Relações Públicas com o desenvolvimento de estratégias para fazer com que funcionários (hipocritamente tratados como ‘colaboradores’) ‘vistam a camisa’ ou para ‘limpar a imagem’ das organizações.
A Comunicação Empresarial brasileira insiste em confundir assessoria de imprensa com o jornalismo de redação (que também anda cada vez mais mal das pernas) , enquanto exibem veículos empresariais onde o debate e a divergência são proibidos e todos os temas importantes e polêmicos (os que efetivamente têm caráter jornalístico) são considerados tabus.
A Comunicação Empresarial brasileira apóia-se, prioritariamente, em campanhas publicitárias que não se coadunam com a cultura e a gestão das organizações, buscando mostrar uma face distinta daquela que as empresas efetivamente têm.
A Comunicação Empresarial brasileira pratica o equívoco de analisar a eficácia da comunicação interna (cada vez menos democrática apesar dos discursos em prol da gestão do conhecimento e do capital intelectual) a partir da voz dos gestores da comunicação (os chefes), ao invés de ouvir exatamente os funcionários, que é quem, nesse caso, têm algo concreto para dizer.
A Comunicação Empresarial brasileira é, em geral, asséptica, amorfa e pouco crítica. Está longe de ser integrada ou estratégica (na verdade, a maioria dos executivos nem sabe mesmo o que significam esses termos).
Momento de ruptura
As escolas de Comunicação, a chamada Academia, têm, provavelmente, parcela importante de culpa por esta situação porque respondem, hoje, pela formação do grande contingente de profissionais que atuam nas organizações. Elas reproduzem os equívocos do mercado, porque muitos professores, também pouco críticos, costumam orientar TCCs (trabalhos de conclusão de curso) exaltando os mesmos cases ‘premiados’ e despolitizam o debate sobre Comunicação Empresarial, vista como uma zona neutra, onde o conflito capital x trabalho e os grandes interesses parecem estar ausentes.
Evidentemente, há exceções neste cenário sombrio. Pouco a pouco, profissionais vão descobrindo que existe um descompasso entre a teoria e a prática. Tomam consciência de que os conceitos básicos (comunicação integrada, comunicação estratégica, transparência e ética, responsabilidade social) são muito fluidos e se aplicam a qualquer coisa. Descobrem que muitas entidades se transformaram em redutos de pequenos grupos e de empresas grandes (basta analisar a composição e o tempo que alguns diretores permanecem nos cargos) e que as premiações, apesar dos júris sérios, se endereçam sempre para os mesmos profissionais e organizações (por coincidência, em sua maior parte, dos próprios diretores). Percebem que a estrutura de comunicação continua, com poucas exceções, não tendo poder de decisão nem mesmo em aspectos relativos à comunicação nas organizações e que a censura , a autocensura e o controle estão presentes para constranger-lhes a liberdade e o exercício profissional.
Algumas organizações (bem poucas, é verdade) já descobriram que a comunicação truncada, controlada, não se afina com os desafios dos novos tempos e que a sociedade (ou pelos menos alguns grupos nela organizados) tenderá a repudiar esta hipocrisia.
A Comunicação Empresarial brasileira reclama um Fórum Social próprio, com pessoas com coragem para denunciar os abusos, as mistificações e a afronta repetida à liberdade de expressão e à cidadania.
Quando os profissionais, os professores , os pesquisadores e, sobretudo os estudantes, efetivamente se derem conta de que não vale a pena apostar neste modelo de Comunicação Empresarial, estaremos prontos para esta ruptura. E , desta vez, diferentemente dos tempos da ditadura, as organizações não poderão chamar a polícia, como faziam antes, para dispersar os manifestantes.
Em nome de um piquete intelectual, de uma postura crítica, de uma experiência de vida, esta obra foi construída. Ela tem o compromisso de colocar o dedo na ferida, de não ser complacente com profissionais ou organizações que estão contribuindo para forjar uma Comunicação Empresarial retrógrada, ultrapassada, que não conduz ao desenvolvimento pessoal e profissional. Ela postula a ética, incentiva o debate e prega o pluralismo. Neste fórum ampliado, precisamos incluir os funcionários, os sindicatos e a sociedade para que exista efetivamente um diálogo.
O monólogo ‘peleguista’ de entidades e organizações está criando uma Comunicação Empresarial sem sabor, autoritária, viciada, doente. Devemos reagir a isso enquanto é tempo. Este é o momento de ruptura. A Comunicação Empresarial brasileira precisa de oxigênio, idéias e profissionais descomprometidos com os velhos paradigmas e interesses. Chega de hipocrisia.
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Jornalista, professor de Comunicação da USP e da UMESP