Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A história da censura

‘Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independente de fronteiras.’ (Art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos)

A liberdade de imprensa é imprescindível, não só para os jornalistas, como também para todas as camadas da população. Historicamente, entretanto, essa liberdade, pelo menos no Brasil, sempre esteve sob a ameaça da censura, seja ela econômica, política ou policial.

O primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, era impresso em Londres para fugir da censura. Desde o Brasil colônia já se passaram muitos anos, mas o espectro da censura permaneceu entre nós, por meio de governos civis e militares e, hoje, apesar da garantia da Constituição, o jornalismo brasileiro não pode ainda comemorar ou declarar que vive num clima de completa liberdade por causa das inúmeras iniciativas que ainda visam impor a censura aos veículos e profissionais de comunicação.

A Constituição brasileira promulgada em 5 de outubro de l988 garante, em seu artigo 220, que a manifestação do pensamento não sofrerá nenhuma restrição e, nos parágrafos 1º e 2º, veda totalmente a censura, impedindo até mesmo a existência de qualquer dispositivo legal que ‘possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social’.

Apesar dessas garantias, a imprensa brasileira continua sob a égide da Lei de Imprensa (Lei 5.250 de 9 de fevereiro de 1967, sancionada pelo presidente Castelo Branco). Embora já não exista a censura prévia, a atual Lei de Imprensa estabelece limites, uma vez que, entre outras coisas, não permite a exceção da verdade contra o presidente da República e outros ocupantes de altos cargos, violando, assim, a liberdade de expressão, além de contrariar diretamente a Constituição. Exemplo disso foi o processo movido, em 1991, pelo então Presidente Collor de Mello contra Otávio Frias Filho, da Folha de S. Paulo, sem que fosse admitida a prova da verdade.

Com o objetivo de eliminar esses obstáculos à plena liberdade de imprensa no país, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) encaminhou ao então senador Josaphat Marinho (PFL-BA.), uma proposta para nova lei. O senador transformou a proposta em anteprojeto, que, após inúmeras alterações, foi aprovado no Senado sob a forma de substitutivo do relator, senador José Fogaça (PMDB-RS). O projeto aprovado pelo Senado, além de ser prolixo recebeu inúmeras emendas, incluindo dispositivos estranhos ou desnecessários a uma moderna lei de imprensa. O então vice-presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Luiz Eduardo Borgheth, por exemplo, afirma que, da forma como está previsto no texto aprovado pelo Senado, há o risco de se criar no Brasil a ‘indústria das indenizações’, como acontece nos Estados Unidos.

Na verdade, a chamada ‘indústria do dano moral’ já fez vítima no país, pois tem obtido condenações absurdas, tanto para veículos como para os jornalistas, em processos relacionados a artigos e reportagens veiculadas, contribuindo assim para gerar um clima de inibição e de autocensura no setor. Burlando o texto constitucional, alguns advogados encontraram um caminho jurídico por meio de uma combinação do inciso X do artigo 5º da Constituição com os artigos 20 e 21 do novo Código Civil (Lei nº 10.406/02, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2003), o que lhes permite impor censura prévia aos meios de comunicação.

Liberdades ameaçadas

No dia 19 de abril de 1995, o projeto de Lei 3.232, que dispõe sobre a liberdade de imprensa, de opinião, de informação, e disciplina a responsabilidade dos meios de comunicação, voltou a ser debatido por meio de uma audiência pública, promovida pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Federal, onde, desde 1992, tramita o polêmico projeto aprovado pelo Senado. O objetivo da audiência foi o de buscar um consenso no segmento da comunicação, e a ela compareceram representantes da ANJ, Abert, Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais (Fenaj), entre outras entidades. Os representantes da ANJ reiteraram a sua posição: o direito de o próprio segmento da comunicação social regular sua atividade conforme princípios de ética e de responsabilidade social.

Em outubro de 1995, o deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE), relator do projeto de Lei de Imprensa, anunciou que seu parecer seria submetido ao plenário da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e, depois, ao Senado. Na forma de substitutivo ao Projeto de Lei no. 3.232, de 1992, o parlamentar manteve a idéia do projeto do Senado, suprimindo penas privativas de liberdade, e estabelecendo penas de prestação de serviços à comunidade e multa. O parecer, datado de agosto de 1995, limita os valores das indenizações, de acordo com o alcance da publicação ou transmissão: veiculação de âmbito nacional, 100.000 reais; estadual, 50.000 reais e municipal 10.000 reais. Segundo o relator, essa gradação pretende avaliar de forma justa a diversidade de repercussão das matérias jornalísticas e leva em conta o poder econômico das empresas de comunicação.

Entretanto, o plenário da Comissão aprovou o substitutivo de Landim, derrubando dois pontos básicos negociados com as entidades do setor. Os pontos derrubados previam a substituição das penas de prisão por multas e serviços e o estabelecimento de limites para indenizações civis por dano moral. Em virtude do confronto dos interesses, o projeto permanece à espera de votação no Plenário da Câmara.

Em novembro de 2003, a comemoração dos 180 anos da edição da primeira lei de imprensa do Brasil, promovida pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional criado pela Lei nº 8.389, de 30 de dezembro de 1991, coincidiu com a retomada das discussões do projeto da nova lei de imprensa, depois de 11 anos de tramitação no Congresso. O substitutivo oferecido pelo deputado Vilmar Rocha (PFL-GO) aguarda votação pelo Plenário da Câmara desde agosto de 1997. A deliberação para votação não ocorreu por causa da falta de entendimento em torno da fixação de um teto para indenização por dano moral. Embora considere legítima a posição dos meios de comunicação, o deputado Vilmar Rocha optou por não estabelecer parâmetro para a indenização moral em seu substitutivo, ‘para não reduzir a eficácia da lei’. Como relator, ele propôs a adoção de um sistema de reposição financeira ‘equilibrado’ que não leve o veículo de comunicação à falência, mas também não deve ser considerado como simbólico Ele acredita também que, se o direito de resposta for bem contemplado na nova lei, poderá reduzir em mais de 80% as pendências judiciais que dizem respeito a ressarcimentos por danos morais.

Segundo o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, presidente do Conselho de Comunicação Social, divulgada pelo Observatório da Imprensa, em março de 2004, o valor das indenizações estipulado pela Justiça para processos contra os jornais é considerado ‘elevado, ameaçador e contrário à liberdade de imprensa’. O assunto é controverso, pois há quem julgue o montante estabelecido pela Justiça como irrisório, sendo por isso um estímulo ao descaso por parte da imprensa sobre as questões que envolvem invasão de privacidade e ofensa à honra do cidadão.

Em 2005, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa – 3 de maio – a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) emitiu nota oficial defendendo a aprovação de uma nova Lei de Imprensa no Brasil, pois ‘sem liberdade de imprensa não há jornalismo, uma atividade que se caracteriza, essencialmente, por apurar e divulgar os fatos de interesse público.’ Intitulada ‘Em defesa da democracia: Liberdade de imprensa e jornalistas respeitados’, a nota oficial da Fenaj denuncia que as liberdades de opinião e de imprensa continuam ameaçadas no Brasil, onde ‘a liberdade prevalente continua a ser a liberdade do poder: poder político, poder econômico, poder patronal. Confunde-se liberdade de imprensa com liberdade de empresa, na qual o interesse público é muitas vezes relegado’ ( FENAJ, 2005).

Formas sutis

O controle sobre os meios de comunicação de massa torna-se mais evidente e compreendido quando constatamos que, como em outros países latino-americanos, os nossos veículos de massa se constituem, basicamente, em empresas vinculadas à iniciativa privada, cuja propriedade se concentra nas mãos de uns poucos grupos, apesar de o Estado também possuir alguns veículos de mídia impressa e eletrônica.

Outros elementos que nos ajudam a entender o controle do Estado sobre os meios de comunicação são as características dos nossos veículos de massa: sediados em áreas urbanas, são dirigidos às populações urbanas, orientados para o lucro, e funcionam sob o controle direto e indireto da legislação oficial.

Podemos ainda destacar, como fator que tem contribuído para o controle do Estado sobre a indústria cultural brasileira, a dependência dos veículos de massa dos subsídios e isenções oficiais. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso VI, alínea d, por exemplo, preceitua: ‘Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão’. Vale salientar que essa isenção já era prática constitucional no país, uma vez que constava da Carta Magna de 1946.

Apesar dessa tradição, em 1991, o deputado federal Roberto Cardoso Alves apresentou uma emenda constitucional, pela qual pretendia acabar com esse incentivo fiscal. Segundo a justificativa do deputado, o benefício deveria acabar porque privilegiava apenas um setor produtivo da economia em detrimento de outros. Caso a emenda de Cardoso Alves tivesse sido aprovada, o papel teria sido taxado, deixando a imprensa sob o controle do Estado, que passaria a dispor de mais um instrumento de pressão, podendo limitar a liberdade de expressão.

A dependência de subsídios oficiais a que ficam submetidos os veículos cresce em importância quando se tem conhecimento de que o setor bancário nacional (a quem as empresas de comunicação recorrem para obter financiamentos visando a manutenção de seu funcionamento ou expansão) é conduzido ou diretamente supervisionado pelo governo.

Os meios de comunicação de massa do Brasil, além de serem dependentes da importação de software e hardware, também o são do suporte publicitário, que é a principal fonte de receita das empresas que os operam. Quem controla, autorizando e concedendo cotas para importação/exportação, é o governo, que também se apresenta, em todos os níveis (federal, estadual e municipal), como o maior anunciante individual do país, fato que favorece seu poder de ingerência nos veículos, através do controle econômico.

Neste trabalho, que evoluiu com base em dois textos preparados e apresentados durante o V e o VI Ciclos de Estudos de Estratégia da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), apresentados respectivamente no dia 3 de junho de 1991 e no dia 18 de maio de 1992, no Rio de Janeiro, tentaremos desenvolver observações que possam contribuir para a análise de alguns ângulos das relações entre o Estado e os meios de comunicação.

Utilizando a primeira parte do modelo proposto por Rivers, Miller e Gandy (1975) para analisar o impacto de governos em veículos de comunicação de massa, pretendemos discutir os principais meios pelos quais o Estado tem historicamente influenciado e controlado os veículos de comunicação. Descrevemos e contextualizamos a história da censura no mundo e no Brasil, além de considerarmos a censura exercida em períodos de conflitos armados. Pontuamos também as novas formas sutis de censura que estão sendo impostas aos veículos de comunicação em particular e à sociedade em geral.

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Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia (1971), mestre em Comunicação pela Universidade do Texas, em Austin, Estados Unidos (1980) e doutor em Comunicação pela mesma universidade (1982); poeta, cronista, compositor e pesquisador universitário, tem 25 livros publicados no Brasil e no exterior