Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A história da queda de João Saldanha

Técnico da seleção brasileira entre janeiro de 1969 e março do ano seguinte, João Saldanha classificou o país para a Copa de 1970 com seis vitórias em seis jogos e montou o time-base (as famosas ‘feras do João’) que iria ganhar o tricampeonato no México. Com seis vitórias em seis partidas, o time comandado por Zagallo é considerado, por muitos, a maior seleção da história. Quarenta anos depois, a história desta conquista ainda provoca discussões sérias, todas elas relacionadas aos acontecimentos que levaram à demissão de Saldanha.

Quem Derrubou João Saldanha, de Carlos Ferreira Vilarinho, chega às livrarias para apimentar este debate. O livro faz uma reconstituição minuciosa da cobertura de jornais, rádios e revistas com o objetivo de mostrar as diferentes forças que se digladiavam em torno da seleção brasileira no período e tenta esclarecer o papel de cada uma delas na ascensão e queda do treinador.

A tese mais aceita até hoje é de que Saldanha foi demitido por uma série de erros que cometeu, a saber: peitou o general Médici, que queria a convocação de Dadá Maravilha; ameaçou um de seus críticos, o técnico Yustrich, com um revólver; aceitou trabalhar para as organizações Globo ao mesmo tempo em que dirigia a seleção; e cogitou deixar Pelé no banco, por considerá-lo sem condições de jogo – e ainda disse que o craque era míope.

Os ‘recados’ do general

Vilarinho rejeita esta tese. Para o pesquisador, Saldanha foi demitido porque seria inaceitável para a ditadura militar ter um comunista, crítico do regime, no comando da seleção caso ela fosse campeã mundial. O pesquisador sugere, com a sua pesquisa, que alguns problemas enfrentados pelo técnico teriam sido provocações orquestradas para tirar Saldanha do sério ou teriam ganhado uma dimensão maior do que mereciam com o objetivo, exatamente, de destroná-lo.

Embora não disponha de elementos concretos para justificar as suas suspeitas, Vilarinho apresenta alguns dados que não costumam ser lembrados nas tradicionais reconstituições do período. Um dos alvos do pesquisador é o jornalista Armando Nogueira (1927-2010), então titular de uma coluna no Jornal do Brasil, que em mais de uma ocasião transmitiu ‘recados’ do general Médici a Saldanha, entre os quais um ‘esclarecimento’ do chefe de relações públicas da Presidência, dizendo que Médici ‘gostaria de ver o Dario, do Atlético, entre os vinte e dois da seleção’.

Um assunto sem unanimidade

Vilarinho também não aceita a tese difundida de que Zagallo alterou peças fundamentais do time de Saldanha e mudou o esquema de jogo, de 4-2-4 para 4-3-3, para rumar em direção ao título no México. Em 1968, ainda como jornalista, Saldanha ‘escalou’ o seu time preferido para a Copa: Como goleiro, Felix, Ubirajara ou Picasso. ‘Tanto faz’, disse. ‘Uma linha de quatro formada por Carlos Alberto, Brito, Piazza e Rildo. Imediatamente à frente destes quatro, o Gerson. Um pouco mais à frente, formando uma linha de dois homens, o Dirceu Lopes e o Tostão. Mais à frente ainda, outra linha de três com Jairzinho, Pelé e Edu’.

Este ‘4-1-2-3’ e esta escalação são muito semelhantes à formação tática e aos jogadores que venceram o tri no México, com Felix; Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo; Clodoaldo, Gerson, Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé.

Além de colocar pimenta nesta discussão interminável, Quem Derrubou João Saldanha tem outro mérito. Ao apresentar em detalhes a trepidante cobertura da mídia a respeito dos preparativos para a Copa de 70, nos lembra que seleção brasileira sempre foi um assunto apaixonante, sem unanimidade, capaz de tirar do sério os mais respeitados cronistas e repórteres, além de envolver interesses variados, nem sempre visíveis.

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Jornalista