Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A implantação da TV digital aberta no Brasil

O livro TV Digital.BR: conceitos e estudos sobre o ISDB-Tb surgiu de um desafio proposto pelo grupo de estudos temático TV digital interativa, um dos subgrupos do Comtec (Comunicação e Tecnologias Digitais), da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). O grupo de TV Digital Interativa é composto pelos professores do curso de especialização Produção para TV Digital Interativa, oferecido pela instituição, desde o começo de 2007, e por especialistas nas diferentes áreas cobertas pela TV digital. Foi criado para estudar e entender melhor a dinâmica da implantação da TV digital aberta no Brasil.

Considerando a pouca literatura em português existente sobre o assunto, e que aborde de forma dinâmica e compreensível os principais temas, foi proposto o desafio de lançar um livro que sirva de base para os estudos dos interessados em entender TV digital interativa holisticamente. Por isso, este livro é, antes de mais nada, extremamente multidisciplinar. Cobre as mais variadas facetas da digitalização da radiodifusão e os ambientes convergentes frutos da mesma.

Os temas foram definidos seguindo o arcabouço de conhecimentos necessários para um profissional poder atuar plenamente nessa nova tecnologia, idealizando e implantando novos conteúdos. O perfil desse profissional passa pelo domínio de conceitos técnicos sobre TV digital, funcionamento da interatividade e transmissão do software em redes de televisão.

Visão geral dos componentes

Além disso, a digitalização da TV e a conseqüente interatividade não acontecem de forma isolada ou desconexa dos demais aspectos da evolução tecnológica. Novas tecnologias são lançadas, diariamente, com repercussões tanto nas formas de distribuição, caso dos telefones celulares, agora aptos a receber sinal de TV, quanto na publicidade, que paga os custos do conteúdo e da implantação.

Baseado neste cenário, onde se exige cada vez mais conhecimento dos profissionais de televisão, este livro procura mostrar a amplitude do tema, abordando desde aspectos conceituais sobre a digitalização da televisão aberta no Brasil, até pontos teóricos do alcance e implicação dessa tecnologia.

O objetivo deste livro não é esgotar o assunto, nem ser uma referência teórica. É apresentar TV digital interativa sem preconceitos, dentro de um contexto de produção multimídia e multifacetada, no qual o conteúdo audiovisual é acessível através de diversas fontes, além da televisão. Por isso, foram convidados especialistas em produção para dispositivos móveis e para internet, uma vez que essas duas ferramentas estão cada vez mais próximas da televisão, seja oferecendo conteúdo, seja servindo de canal de retorno para as aplicações interativas. Além disso, o livro apresenta uma parte conceitual, na qual são discutidos aspectos técnicos e teóricos sobre TV digital, interatividade e comunicação. Também é apresentado o desenvolvimento de aplicações, sob um viés prático, englobando conceitos e métodos.

Assim, o primeiro capítulo traz um texto do professor Carlos Montez, da Universidade Federal de Santa Catarina, sobre a conceituação da TV digital e os processos de digitalização do sinal televisivo. Conforme o texto, a TV digital interativa pode ser considerada como uma evolução dos seus antepassados analógicos: a TV preto e branco e a TV em cores. No entanto, esse novo tipo de TV precisa ser tratado como uma nova mídia, e não uma simples junção de tecnologias de TV com tecnologias de computador e de internet. Ainda assim, o estudo dos componentes que formam essa nova mídia pode ser feito de uma forma analítica, separando e analisando cada tecnologia e teoria que estão por trás desse sistema. Dessa forma, o texto do professor Carlos Montez apresenta uma visão geral dos componentes que formam uma TV digital interativa.

Canais de retorno para manifestações individuais

Mesmo sem entrar profundamente em cada assunto, apresenta detalhadamente as teorias de cor e seu tratamento no olho humano, como acontece a formação do vídeo no cérebro humano, a teoria da conversão do analógico para digital, compressão de dados e os componentes envolvidos na transmissão de TV digital. No final do capítulo, esses tópicos acabam convergindo na explicação do set top box, que tem papel fundamental durante a transição da TV analógica convencional para a TV digital interativa.

O capítulo dois traz um artigo do professor Sebastião Squirra, professor da Umesp e coordenador do Comtec. Ele parte da premissa de que a TV é o meio de comunicação popular mais consumido no Brasil, há várias décadas, mas cujo modelo atual está com os dias contados. A evolução tecnológica e os principais participantes do mundo digital atual apontam para mudanças, uma vez que o homem está profunda e irrecusavelmente integrado, miscigenado, às mídias digitais para conexões e intercâmbios em intermináveis tipos e configurações.

O professor explica que a vida já é digital e esta tecnologia, onipresente. As pessoas passarão a assistir aos programas de televisão no modelo e visualização da internet, numa hibridização midiática ainda não experimentada, muito menos praticada em larga escala. A conjunção tecnológica trará para os telespectadores a interatividade, elemento nativo na web, mas que estará plenamente integrado aos aparelhos de TV em todos os lares, estimulando a inserção digital. Pela primeira vez na história da comunicação massiva, os telespectadores terão canais de retorno para a expressão dos seus desejos e manifestações individuais. Este é o Brasil que nasce em dezembro de 2007.

Sincronismo de mídia e adaptabilidade

Contextualizando essa evolução, porém focando a TV digital, os pesquisadores Almir Almas e Ana Vitoria Joly debatem a televisão digital brasileira e o acesso público no capítulo três. O texto visa explorar o impacto que a introdução da tecnologia de digitalização da radiodifusão exerce na televisão brasileira, examinando as principais interações entre a criatividade e a esfera popular, dentro do contexto histórico. Ao analisar questões sobre o que pode ocorrer no Brasil, no futuro próximo, com ênfase em assuntos relacionados com a digitalização da televisão e as mídias interativas, surge o foco no acesso público, na participação comunitária e nos conteúdos gerados pelos telespectadores, visando à inclusão digital através da interatividade.

A seguir, no capítulo quatro, os jornalistas Alexandre Mendonça e Fernando Crocomo apresentam a produção interativa de televisão. Muito se fala na valorização do conteúdo na TV digital interativa, em processo de implantação no Brasil. Se, por um lado, a comunidade que lida com conteúdo de mídia, aguarda com expectativa a chegada da nova tecnologia; de outro lado, especialistas da área tecnológica procuram entender ao máximo os recursos a serem disponibilizados. O objetivo deste capítulo é discutir a importância do trabalho multidisciplinar na produção de conteúdo para TV digital interativa; o que muda no processo de produção de programas interativos, e como um novo formato de roteiro de TV pode ajudar na integração entre todos os envolvidos na transmissão de um programa interativo. O capítulo mostra que o trabalho conjunto entre as áreas pode resultar em opções mais ricas de conteúdo, indo além do recurso técnico e permitindo que a interatividade realmente seja útil e interessante para o usuário. Experiências dos autores mostraram que aplicativos interativos, pensados na linguagem dessa nova mídia, precisam ser o mais próximo possível de um diálogo, no qual o apresentador, ou o conteúdo sendo apresentado, convida o usuário a participar.

Todo conteúdo interativo é desenvolvido e visualizado a partir de uma plataforma de interatividade, chamada tecnicamente de middleware. Esse suporte à interatividade foi totalmente desenvolvido no Brasil, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O professor Luiz Fernando Gomes Soares, da PUC-Rio, apresenta, no capítulo cinco, o ambiente para desenvolvimento de aplicações declarativas, chamado de Ginga-NCL. Ele explica que as aplicações com o foco no sincronismo de mídia e adaptabilidade devem representar a maior parte das aplicações de um sistema de TV digital. Prover um bom suporte para a execução e apresentação de tais aplicações é função do ambiente declarativo de um middleware. Nos middlewares atuais, tais funções, com exceção da interatividade, têm sido resolvidas através de scripts em uma linguagem procedural embutida no ambiente declarativo, e não por um suporte verdadeiramente declarativo da linguagem. Sem perder a compatibilidade com os outros padrões, ao contrário das implementações correntes, o Ginga oferece um ambiente puramente declarativo, através da linguagem NCL, para a definição e tratamento do sincronismo de mídia e da adaptabilidade, bem como para o suporte à utilização de múltiplos dispositivos de interação e exibição.

Vídeo é incipiente, mas tem potencial

Completando o assunto, Günter Herweg Filho apresenta no capítulo seis a linguagem NCL e o desenvolvimento de aplicações declarativas para TV interativa, além do modelo conceitual NCM. O middleware Ginga é parte integrante do decodificador da televisão digital, sendo responsável pelo gerenciamento das aplicações feitas em NCL. Já o NCM (Nested Context Model) é um modelo conceitual para representação e manipulação de documentos hipermídia que podem ser aninhados, formando estruturas contextualizadas. É neste modelo que a linguagem NCL se baseia.

No capítulo sete, os pesquisadores Rogério Furlan e Karla Caldas Ehrenberg mostram como é feita a produção de conteúdo para dispositivos móveis. A união entre a TV e o celular demanda a atuação de três grandes áreas da comunicação: os fabricantes de aparelhos que colocam no mercado produtos com muitas funcionalidades; as produtoras e emissoras que buscam a melhor maneira de produzir os seus conteúdos; as empresas de telefonia que estudam a forma ideal de transmissão dos sinais. Este artigo dá ênfase ao debate sobre a produção de conteúdo audiovisual, abordando as diferenças entre a TV tradicional e o celular. Sugere opções de planos, enquadramentos e outras questões técnicas que devem ser observadas e adaptadas, quando o assunto em pauta é a produção de conteúdo para dispositivos móveis.

Dentro dessa perspectiva de abordar áreas correlatas à TV digital interativa, mas com reflexos na produção e distribuição de conteúdo, o professor Sammyr Freitas apresenta a produção audiovisual para a internet, no capítulo oito. O artigo contextualiza a comunicação audiovisual na web, analisando as implicações de desse meio como distribuidor de conteúdo e produtor de conteúdo. Apresenta e discute de forma completa as ferramentas e profissionais envolvidos no processo, concluindo que o vídeo, na internet, ainda é incipiente, principalmente na qualidade, mas tem muito potencial com o surgimento de novas redes peer-to-peer, inclusive em alta definição.

Conseqüências para usabilidade

No capítulo nove, a pesquisadora Alia Nasim Chaudhry discute os rumos da publicidade interativa. O texto mostra como a revolução digital está mudando o cotidiano das pessoas, principalmente na forma de comunicar. O telefone celular, a internet e uma infinidade produtos digitais passaram a fazer parte do dia a dia das pessoas. Da mesma forma, a publicidade evoluiu, chegando ao consumidor em novos meios, com campanhas mais segmentadas e formatos cada vez mais personalizados aos perfis de público-alvo. O consumidor, por sua vez, deixa a passividade de lado, e interage com o conteúdo publicitário. Neste momento, chega a TV digital ao Brasil, trazendo desafios e novas oportunidades para a publicidade, que procura através dos formatos consolidados em outros meios digitais e de exemplos estrangeiros, um novo caminho para a TV no país.

Para finalizar, o professor e coordenador do curso de Especialização Produção em TV Digital, da Umesp, Valdecir Becker, discute a usabilidade na TV digital interativa no capítulo dez. O texto introduz o contexto teórico da interatividade na TV, discutindo as mais recentes abordagens da Interação Humano-Computador, visando a explicar a relação do ser humano com tecnologias digitais. Ao analisar a relação truncada entre teoria e prática na IHC, busca-se entender se as aplicações interativas, na televisão, demandam novas ferramentas e adequações teóricas para poderem ser compreendidas sob um aspecto mais amplo. Aborda-se a teoria da atividade como base para o entendimento de como o ser humano usa a tecnologia, neste caso específico, a televisão interativa, o que inclui o contexto em que acontece a interatividade, e as conseqüências para a usabilidade.

Fechando o livro, são apresentadas as pessoas que ajudaram a construir este trabalho. O livro pode ser lido em diversas ordens, sem comprometer a compreensão dos assuntos. No entanto, o entendimento de alguns termos técnicos usados nos primeiros capítulos pode ser necessário para o pleno entendimento dos textos sobre produção.

Boa leitura.

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Respectivamente, jornalista, coordenador do Curso de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo; e jornalista, professor da Universidade Metodista de São Paulo, doutorando em Engenharia Elétrica pela Poli/USP