Luís Guilherme tem razão: urge escrever a história da imprensa baiana.
Por que urge? Em primeiro lugar, porque alguns dos atores ainda estão vivos, podem depor, contar as transformações que testemunharam, sua própria experiência, ainda que restrita, esta, às últimas décadas.
Urge, também, porque as fontes de pesquisa, cujo exame poderia levar ao exato conhecimento dos fatos, essas fontes estão secando ou, mesmo, desaparecendo, a exemplo do que acontece com as coleções de jornais antigos, existentes em alguns poucos arquivos, as quais, por falta de elementares cuidados de conservação, vão ficando sem condições de consulta.
Mas, há uma outra razão para se pretender a reconstituição do passado de nossas gazetas, e, por via desse processo, da trajetória do jornalismo baiano, tão rico de substância. Nesse caso, a urgência tem a ver com o que parece ser o fim de uma época, ou a transição de uma época para outra.
Serei mais explícito: o surgimento de outros meios de comunicação de massa, notadamente os meios eletrônicos – rádio, televisão, web – está visivelmente decretando a superação do veículo impresso – jornal, boletim, revista – a ponto de motivar a discussão do seu futuro, ou seja, sua sobrevivência.
Haverá jornais futuramente? Poderão, os que mais resistirem, suportar a concorrência com os comunicadores eletrônicos, agora ainda mais ágeis graças ao sistema digital? Os usuários da notícia, quer dizer o grande público, conservar-se-ão fiéis à tradicional folha impressa, ou facilmente optarão pela mensagem eletrônica, captada em aparelhos cada vez mais fáceis de conduzir e operar? E que dizer da tendência de alguns jornais de mudarem de estilo, abandonando a função opinativa e priorizando o lado noticioso, do que decorre se preocuparem com os efeitos visuais, com a diagramação larga e vistosa, utilizada para atrair leitores sensíveis ao apelo do sensacionalismo?
Trabalho útil
Todas estas perguntas exigem respostas, a bem do esclarecimento sobre o devir da imprensa; esclarecimento que interessa particularmente aos jovens que acorrem aos cursos de jornalismo por acreditarem que a profissão tem futuro.
Pois bem: se é verdade que a imprensa vai abandonando, por força de não importa que motivos, a sua missão de formadora de opinião, então é o caso de voltar os olhos para o passado e lembrar o longo período durante o qual, em nossa província, os jornais tiveram importante atuação na cena pública. Basta lembrar a dilatada fase em que Ruy Barbosa dirigiu o Diário da Bahia e na qual estiveram em discussão, sob as bandeiras dos dois partidos que se alternavam no poder, o liberal e o conservador, grandes assuntos nacionais, como o regime eleitoral (afinal definido com a Lei Saraiva), a proposta de regime federativo, a questão religiosa, a Abolição, e, afinal, a República.
Possivelmente o estudo do importante papel desempenhado pela imprensa nas decisões nacionais motivará a reflexão dos mentores dos jornais quanto ao erro de desertarem o dever da opinião em favor das efêmeras promessas do marketing.
Penso que é cabível, e viável, um trabalho com o objetivo de criar condições para o levantamento da história da imprensa neste Estado.
Um dos primeiros passos seria a recuperação das coleções de jornais antigos, pertencentes ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Biblioteca Pública e Arquivo Público. Começando pela cuidadosa restauração dos exemplares, inúmeros deles extremamente estragados. Seguindo-se (mas podendo ser concomitante com o restauro) a microfilmagem total das coleções, de então em diante proibidas ao manuseio.
Providência decorrente da microfilmagem (ou da gravação em CD) das coleções seria a organização de um banco de dados, a ser utilizado pelos pesquisadores, contendo o índice de todas as publicações assim arquivadas.
A etapa seguinte visaria à localização e reprodução de jornais baianos existentes em arquivos públicos ao longo do País.
É extensa a relação desses jornais na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro), por exemplo.
Devemos à Professora Lizir Arcanjo Alves, conhecida pesquisadora, um levantamento desse material.
Apenas para efeito de confronto – afora a demonstração da evidente necessidade de ampliação do trabalho de busca além das fronteiras da Bahia –, vale comparar a relação dos ‘principais jornais baianos da 2ª metade do século XIX existentes nos Arquivos’ da Biblioteca Pública, IGHB e Arquivo Público, e a lista dos que se encontram na Biblioteca Nacional, segundo a doutora Lizir.
A relação dos jornais que se acham em Salvador está no livro da professora Kátia Maria de Carvalho Silva intitulado O Diário da Bahia e o século XIX (p. 25), aliás um alentado e útil trabalho, que poderia servir de modelo a contribuições do mesmo caráter.
História concatenada
Eis os títulos, com as datas de fundação: Alabama (1863); A Bahia (1881); A Bahia Ilustrada (1868); Correio da Bahia (1871); Correio da Manhâ (1888); Correio de Notícias (1834); Correio do Povo (1871); Diário da Bahia (1856); Diário de Notícias (1875); Diário do Povo (1883); Estado da Bahia (1890); O Faísca (1885); Gazeta da Bahia (1879); Gazeta Ilustrada (1882); Gazeta de Notícias (1894); Gazeta do Povo (1883); Gazeta da Tarde (1880); Gazeta Médica da Bahia (1886) ; Guaycurú (1879); Jornal da Bahia (1853); Jornal do Comércio (1876); Jornal de Notícias (1879); O Monitor (1876); Monitor Cathólico (1887); A Mutuca (1874); O Óculo Mágico ( 1865); O Pequeno Jornal (1889); República Federal ( 1883). 28 títulos, portanto.
Na Biblioteca Nacional acham-se exemplares de outros jornais e periódicos baianos que circularam, por maior ou menor tempo, no século XIX. A lista preparada pela doutora Lizir dá conta de não menos de 289, sendo 64 impressos em localidades do interior da Bahia.
De posse da relação levantada pela citada pesquisadora, a direção do Arquivo Público da Bahia, na gestão da professora Anna Amélia Vieira Nascimento, promoveu a microfilmagem dessa quase três centenas de publicações, que, assim, podem ser consultadas na sede do Arquivo, em Salvador.
Falta microfilmar as coleções de jornais que circularam ou ainda circulam na capital baiana, existentes no mesmo Arquivo Público, Biblioteca Pública e Instituto Histórico da Bahia.
A coleção do jornal A Tarde, de Salvador, está microfilmada em sua maior parte, por iniciativa do seu antigo diretor-gerente, Artur Luiz d´Almeida Couto, tendo o processo de conservação sido interrompido por volta de 1997, por motivo ignorado.
Quando se concluir o trabalho de restauração e preservação dos diferentes acervos, e organizado o banco de dados, terão os estudiosos à sua disposição rico material para sua análise e aproveitamento em quantos projetos queiram desenvolver. Inclusive o da história de nossa imprensa.
Se falta uma história concatenada dessa imprensa, em compensação – ou, melhor dizendo, sem compensação – muito já se escreveu sobre ela e seus atores. Escritos esparsos, com escassa possibilidade de concatenação. Neste livro se encontram oito deles. Devem a volta à vida à pertinácia de Luís Guilherme Pontes Tavares, o incansável animador desses estudos.