Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A intimidade em espetáculo online

Este ensaio analisa um fenômeno recente que está em pleno crescimento: a exibição da intimidade, especialmente a dos usuários da internet que recorrem a novas ferramentas como blogs, fotologs, webcams, YouTube e Orkut. Mas este movimento tão atual não se limita à web: em menos de uma década, tem se transformado em uma característica preeminente da cultura contemporânea. Hoje se apresenta em manifestações tão heterogêneas como os reality-shows e talk-shows da televisão, o auge das biografias no mercado editorial e no cinema, e inclusive o surgimento de novos gêneros como os documentários em primeira pessoa e as variações sobre o auto-retrato nos diversos campos artísticos.

O interesse que todas estas novidades suscitam pode ser visto como um sintoma de uma transformação nos modos de ser. Estaríamos atravessando uma transição, que se anuncia como uma verdadeira mutação nas subjetividades: um veloz distanciamento com relação às formas tipicamente modernas de ser e estar no mundo. É o que delatam alguns instrumentos que costumavam ser usados para a construção de si, e que se vêem eclipsados por estas novidades: do diário íntimo à psicanálise, passando por todas as formas da introspecção. Esses velhos métodos de auto-conhecimento fundavam suas criações subjetivas em uma interioridade que era tão rica como densa, uma vida interior misteriosa e oculta, porém extremamente fértil e de algum modo estável, que se cultivava no silêncio e na solidão do âmbito privado.

As novas modalidades de auto-exibição que hoje proliferam, por sua vez, sugerem que estaria se deslocando esse eixo em torno do qual as subjetividades modernas costumavam se edificar, com uma crescente exteriorização do eu. Em uma cultura propulsada pelo imperativo da visibilidade, é preciso aparecer para ser. A fim de satisfazer esses árduos mandatos, são convocadas diversas técnicas de espetacularização de si que respondem a esta nova lógica: cada vez mais, o que cada um é se mostra na superfície visível do corpo e das telas. [Esta pesquisa foi desenvolvida como uma tese de doutorado em Comunicação e Cultura na ECO-UFRJ, com o apoio do CNPq.]

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A ‘orelha’ do livro

Orkut, Big Brother, uma propaganda política, uma revista de fofocas, um filme sobre Frida Kahlo e um best-seller sobre a vida de Friedrich Nietzsche. À primeira vista, esses produtos do universo midiático parecem não ter nada em comum. Mas, quando pensamos um pouco mais no assunto, percebemos que todos eles têm como foco pessoas reais – embora não necessariamente famosas – que almejam serem (re)conhecidas. Isso acontece, inclusive, com cada um de nós.

Em O show do eu: a intimidade como espetáculo, Paula Sibilia reúne teoria e prática para explicar de que forma nossa sociedade legitimou uma cultura de observação do outro e, ao mesmo tempo, da exposição de si próprio. Neste livro, a autora contextualiza esta sociedade do espetáculo levada às últimas conseqüências, e oferece as chaves para desvendar seus sentidos. A tal ponto que, em alguns anos, talvez não cause mais estranhamento encontrar um grupo de paparazzi perseguindo um ‘famoso anônimo’ pelas ruas. E, depois, ainda haverá muita gente querendo ver essas fotos.

O repertório de exemplos aqui mencionados é amplo, e vai dos clássicos até os mais atuais: de O Show de Truman a A história de Adèle H.; de O veneno do escorpião a A máquina de pinball; de Michel Foucault a Walter Benjamin. Tudo isso para tentar compreender por que, hoje, as experiências de vida de uma pessoa – mesmo que desconhecida ou ‘comum’ – podem atrair um vasto público.

Paula Sibilia mostra, neste aguçado e precioso ensaio, que está mudando não só a maneira como vemos o mundo e como este nos vê, mas também a forma como enxergamos a nós mesmos. Afinal, o que leva alguém a querer expor todos os detalhes da sua vida, se em outras épocas lutava-se por preservar a própria privacidade de toda intromissão alheia? Que estratégias são utilizadas para atrair os olhares quando já existem tantas celebridades disputando essa atenção? O que há de tão atraente na vida privada de qualquer pessoa para despertar a curiosidade de outra que nem mesmo a conhece? E, principalmente, o que torna alguns mais interessantes do que os outros, num momento em que cresce a impressão de que a maioria tem tão pouco a dizer de original? É ler para crer.

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Antropóloga