Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A literatura censurada pela ditadura

Entre 1970 e 1988, durante a última ditadura militar no Brasil, mais de 140 livros nacionais chegaram a sofrer censura prévia. A partir do estudo dos atos censórios do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP), uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) sistematizou pela primeira vez uma listagem das obras de ficção censuradas, além de identificar e analisar, a partir de alguns casos particulares, os mecanismos de censura utilizados.

Os resultados do estudo estão sintetizados no livro Repressão e resistência: Censura a livros na ditadura militar, de Sandra Reimão, professora da Escola de Artes e Ciências Humanas (EACH) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O livro, que teve apoio da Fapesp na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, será lançado no dia 7 de dezembro, às 18h30, na Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista, em São Paulo.

Segundo Reimão, o projeto da obra surgiu após a leitura do livro Roteiro da Intolerância: A censura cinematográfica no Brasil, de Inimá Ferreira Simões, lançado em 1999. Vários dos filmes censurados que constavam no livro de Simões eram adaptações de obras literárias. “Decidi pesquisar se os livros que haviam inspirado os filmes censurados também haviam sofrido censura. Mas tive uma grande surpresa ao descobrir que não havia nenhum levantamento sistemático dos livros censurados no período da ditadura. Havia apenas listagens parciais, sem especificações claras para identificar as obras. Foi quando decidi fazer esse levantamento”, disse Reimão à Agência Fapesp.

O universo moral e o universo político

Aproveitando a bibliografia existente, a pesquisadora trabalhou com o arquivo de pareceres do DCDP e rastreou a documentação sobre as obras no Arquivo Nacional. O projeto gráfico, que foi concebido para dialogar com o texto, é um dos destaques da publicação. “Além de fazer um levantamento sistemático das obras censuradas e de traçar um panorama histórico da atuação censória do governo militar em relação à arte e cultura – e aos livros, em particular –, procurei também destacar alguns casos particulares de censura à ficção, para analisar as características da censura”, disse Reimão.

A pesquisadora analisou especificamente os casos de Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, Dez histórias imorais, de Aguinaldo Silva, Em câmara lenta, de Renato Tapajós, e os contos Mister Curitiba, de Dalton Trevisan, e O cobrador, de Rubem Fonseca. Segundo ela, o decreto lei 1077, de 26 de janeiro de 1970 – também incluído no livro –, que instituiu a censura prévia no Brasil, definia como passíveis de censura os livros que ofendiam a moral comum e que podiam “destruir a base moral da sociedade”. O mesmo decreto também indicava que as obras que ameaçavam a moral também colocavam “em prática um plano subversivo que coloca em perigo a segurança nacional”.

“Para os censores, havia uma correlação clara entre a destruição dos valores morais e a segurança nacional. Uma das conclusões do livro é que, quando tratamos da década de 1970, não é possível separar o universo moral do universo político”, disse Reimão.

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[Fábio de Castro é jornalista e editor da Agência Fapesp]