Na década de 1980, o dramaturgo americano Arthur Miller caiu, literalmente, da cadeira num restaurante em Pequim. A cadeira estava quebrada. Sem perder a pose, Arthur protestou com humor: ‘Gangue dos quatro!’ As pessoas ao redor caíram na gargalhada. Mao Tsé-Tung morrera em 1976, e com sua morte chegara ao fim a Revolução Cultural chinesa. O núcleo do poder era liderado pela ‘gangue dos quatro’, formada por Mao, a mulher e mais dois integrantes do partido comunista chinês.
Durante a Revolução Cultural, a China fechou-se para o mundo. Um grande expurgo teve início, com perseguição a intelectuais, estudantes e todos os oponentes supostamente defensores dos valores burgueses. A realidade chinesa começou a mudar a partir de 1978, com a chegada ao poder de Deng Xiaoping, considerado um moderado e sobrevivente dos expurgos promovidos pela Revolução Cultural.
Hoje a China é tida como a locomotiva do mundo. O livro O mundo tem medo da China? Nós também (Editora Terceiro Nome), da jornalista Patrícia Campos Mello, traz um breve perfil dessa economia que cresce em ritmo vertiginoso. ‘O país que abriga 1,3 bilhão de pessoas – um quinto da população mundial – e cresce a estonteantes 9,5% ao ano não pára de assombrar o Ocidente’, escreve Patrícia. A magnitude da produção chinesa é assustadora. O país ‘produz dois terços de todos os fornos de microondas, aparelhos de DVD, copiadoras e sapatos do mundo’ e ‘fabrica mais de metade das câmeras digitais e dois quintos dos computadores’.
Para suprir esse gigantismo, o dragão vai buscar em outras economias as matérias-primas de que necessita para fazer girar a sua roda da fortuna. As estatísticas reveladas no livro dão uma idéia da força dessa performance econômica. ‘Em 2003, o país consumiu 40% da produção mundial de cimento, 21% da alumina vendida no mundo, 24% do zinco, 28% do minério de ferro, 17% do cobre e 23% do aço inoxidável’.
A comparação com alguns indicadores da economia brasileira ajuda o leitor a entender melhor a dianteira chinesa. O PIB chinês (a medida de toda a riqueza produzida num país, em um ano) é de 1,6 trilhão de dólares, o equivalente a três vezes o produzido pelo Brasil. Lá o crescimento tem atingido os 9,5%, ao passo que por aqui pífios 3% são anunciados com fogos de artifício pelo governo. Mais dois números permitem situar a volúpia chinesa de crescimento. O investimento chinês atinge 47% do PIB. No Brasil, se situa nos 19%. ‘Ter um alto índice de investimentos significa, na prática, centenas de fábricas novas, produtos novos, funcionários contratados, todos os anos’, diz Patrícia.
Se persistir nesse ritmo, a China, hoje considerado um país emergente (nesse rol se incluem o Brasil, a Rússia e a Índia), logo ultrapassará as economias mais poderosas do planeta. Segundo estudo da Goldman Sachs, revelado no livro, o dragão vai ultrapassar os Estados Unidos em 2040, o Japão em 2016 e a Alemanha em 2010.
Qual é o segredo de tanto crescimento? Baseado num sistema misto, denominado de ‘economia socialista de mercado’, o modelo chinês apostou numa forte intervenção do Estado. Os bancos, estatais, oferecem crédito ilimitado às empresas. E o país tem à sua disposição um colossal contingente de trabalhadores mal-remunerados. Trata-se de uma economia ‘intensiva em mão-de-obra’, no jargão dos economistas. Outro ponto é a taxa de câmbio mantida em níveis artificiais durante anos, como forma de estimular a exportação dos produtos chineses.
Aprender o mandarim
Até onde vai a expansão chinesa? O mundo inteiro teme uma freada do crescimento na China. Especialistas defendem uma aterrissagem brusca, como forma de impedir uma bolha de crescimento, semelhante à que pôs abaixo os sonhos mirabolantes da internet ou à que afetou a economia japonesa. Contudo, há quem acredite que a China ainda tem muito espaço para continuar crescendo.
Além do evidente medo das outras nações, o país enfrenta críticas da opinião pública internacional pelo desrespeito aos direitos humanos (em 2003, foram executadas 726 pessoas na China), degradação do meio ambiente, cerceamento da liberdade de expressão e desrespeito à propriedade intelectual. Apesar de caminhar a passos largos para a modernidade, o país mantém um sistema político fechado, de partido único. A despeito do enorme atrativo do seu gigantesco mercado consumidor, a China não é para principiantes.
Todos essas nuances têm levado os críticos do modelo chinês a ponderar se o que existe por lá é de fato capitalismo, tal qual o conhecemos. Talvez se justifique a grita dos empresários brasileiros a esse respeito, assustados com a invasão dos produtos chineses, que podem levar à bancarrota num curto espaço de tempo as indústrias têxteis e de sapatos nacionais.
Mas com todos os aspectos negativos, a China segue em frente. Huawei, Gree, ZTE, SVA: estas são algumas das grandes multinacionais chinesas que já começam a conquistar o mercado internacional. Ainda vamos ouvir falar delas por muito tempo. Hoje o inglês é o idioma dominante nas relações internacionais, graças à força da economia americana. A cultura chinesa esteve fechada para o Ocidente durante séculos, mas não será surpresa se nas próximas décadas tivermos de aprender o mandarim para entender melhor o que estará se passando à nossa volta.
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Jornalista, editor do Balaio de Notícias