Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A lógica implacável da mercadoria

Não há qualquer novidade, mas o registro em certas ocasiões – quase um desabafo indignado – se torna obrigatório: a lógica dentro da qual opera a mídia comercial coloca seus interesses empresariais acima de literalmente tudo, ignorando os valores fundamentais da convivência humana em busca de suas metas de lucro.


Não é necessário refazer análises sobre a comprovada relação entre o entretenimento violento, as coberturas jornalísticas da violência e o aumento da própria violência na sociedade (ver, por exemplo, neste Observatório, ‘A violência urbana e os donos da mídia‘ e ‘A mídia e a banalização da violência‘).


Alguns fatos recentes apenas comprovam o que já se sabe. Confirma-se a hipocrisia ilimitada da grande mídia comercial que, apesar de conhecer perfeitamente as consequências de seus atos, finge não ter nada a ver com o que acontece. Afinal, o Ibope confirma que os índices de audiência das redes Globo e Record cresceram significativamente com a cobertura da tragédia em Realengo (ver aqui).


A lógica do esporte na TV


Há, todavia, um outro lado da lógica do entretenimento associado às transmissões esportivas que nem sempre transparece para o grande público.


Depois do acidente de ônibus com a delegação do Vôlei Futuro, que seguia para o primeiro jogo da fase semifinal da Superliga Feminina contra o Sollys/Osasco, na terça-feira (12/4), iniciou-se uma imensa pressão da TV Globo e da Confederação Brasileira de Vôlei para o cumprimento do calendário e a realização das partidas.


O Twitter de uma das jogadoras foi reproduzido em post no blog do comentarista Bruno Voloch, na quinta-feira (14), e revela a verdadeira dimensão da perversidade desumanizada que opera nessas circunstâncias. Transcrevo:




‘Indignada com a CBV, Joycinha desabafa: ‘A TV está pressionando, mas somos seres humanos’


‘A pressão da TV Globo e da CBV pela realização da primeira partida semifinal entre Osasco e Vôlei Futuro até o próximo dia 19, deixou revoltada a oposta Joycinha do time de Araçatuba.


‘Através do Twitter, a jogadora reclamou e se mostrou indignada:


‘‘Nesse momento não tem que pensar em televisão. A televisão está pressionando, mas tem que lembrar que somos seres humanos’.


‘Joycinha não economizou críticas aos responsáveis pela superliga:


‘‘Psicologicamente estamos muito abaladas. Fisicamente, também não estamos legal. Estamos bem, mas para jogar vôlei, cair na quadra e saltar, não. É preciso ter o mínimo de bom senso’.


‘Joycinha está com vários hematomas no rosto e com dores no pescoço.


‘Conforme o blog informou, a CBV colocou à disposição do Vôlei Futuro as datas entre 15 e 19 de abril para a realização da primeira partida. A TV Globo não admite a idéia de fazer a decisão da superliga em maio e a data para a decisão está marcada para 30 de abril no Mineirinho em Belo Horizonte.’


O que se pode fazer?


A saída para escapar à lógica comercial prevalente na grande mídia é o fortalecimento do sistema público que, pelo menos em tese, coloca o interesse público em primeiro lugar.


Quem sabe, viveremos para ver um marco regulatório que coloque efetivamente em funcionamento o princípio da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de radiodifusão que adormece há mais de 22 anos no artigo 223 da Constituição?


A ver.

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, Poder e Direitos (Editora Paulus)