Uma Bolívia que parecia esquecida e restrita a campo de estudo de historiadores nostálgicos da revolução de 1952 ou da guerrilha do Che renasceu pela voz e pela ação de Evo Morales, que se organizou em torno do Movimiento al Socialismo (MAS) e, por incrível que pareça, chegou ao poder em janeiro de 2006 pela via político-institucional, pela luta social, e pela organização popular.
‘Pela primeira vez em sua longa e conflituosa história a Bolívia elegeu um índio presidente da República. E o elegeu não de uma forma qualquer, ou comum: consagrou-o com a maior votação da História do país, com maioria absoluta de 53,5% dos votos válidos e, mais importante e inusitado, com maioria na Câmara e no Senado. Não só o presidente do país era de origem popular, mas como diz o nome do MAS, socialista (…).’
A Bolívia, um dos países mais sofridos de todo o continente, readquiria a consciência de que precisa reassumir a cultura, a língua e os costumes de seu povo, para partilhar suas riquezas com a maioria indígena e camponesa do país.
Os grandes desafios
‘O impacto da vitória de Evo foi extraordinário, não só por trazer de volta para gerações e gerações as imagens da Bolívia irredenta e rebelde, mas pela força da figura de seu presidente e o simbolismo de sua vitória, que confirmavam a tendência de grandes mudanças na América do Sul e a consolidação de governos de esquerda e de centro na região.’
Sua eleição resultou do fracasso dos modelos neoliberais e da falência total da velha elite mineira-exportadora boliviana, substituída pela elite neoliberal engravatada dos executivos das privatizações e da abertura comercial. Essa nova geração que ganhou com Evo, uma massa de jovens idealistas e muitas vezes sem experiência administrativa, tem assim, diante de si, hoje, uma herança mais que maldita de corrupção, pobreza e entreguismo (…).
A elite de Santa Cruz de la Sierra, um dos departamentos mais ricos e conhecidos da Bolívia, que cresceu e se consolidou na fronteira com o Brasil à sombra das ditaduras e governos neoliberais desenvolvendo o agronegócio, se preparava para assumir o governo, mas perdeu as eleições para o MAS.
Vitorioso, este democraticamente assumiu o poder e colocou na ordem do dia os grandes desafios nacionais da Bolívia: a recuperação dos seus recursos naturais – petróleo, gás, minérios; a exploração do seu potencial energético em eletricidade; o desenvolvimento das telecomunicações e dos transportes; a democratização do país com uma nova Constituição; a reforma agrária; e a integração cultural e social da nação (…).
Uma nação livre e soberana
A direita, na defensiva, apela para seus temas prediletos: queixa da ‘intervenção’ estrangeira – no caso, da Venezuela; a obsessão pela manutenção da propriedade e latifúndio da terra; e, o mais grave, a autonomia como escudo para uma oposição visceral ao projeto nacional, democrático e indígena-popular que o presidente da República encarna.
‘Escudada na questão da autonomia dos departamentos, velha e legítima reivindicação que o próprio MAS assumira como bandeira, essa direita mobiliza suas bases nas quatro províncias orientais, a chamada media luna, e inicia um forte movimento de oposição contra Evo que se consolidará no poder com a nacionalização do petróleo e do gás – já decidida em plebiscito antes de sua eleição –, com diferentes programas sociais, com os recursos arrecadados com a nacionalização do gás, o início da reforma agrária e a Constituinte (…).’
Versando com rara exatidão e objetividade, poucas vezes vistas antes entre os que se arriscaram por todos esses meandros históricos bolivianos, o jornalista Antonio Barbosa Filho informa-nos neste livro sobre esse mágico e fantástico país e essa extraordinária luta que trava de novo seu povo, agora liderado por Evo Morales e o MAS.
Dentro da guerra midiática e de desinformação que vivemos, uma obra com informações e relatos sobre esses recentes acontecimentos bolivianos, e com a profundidade com que Antonio Barbosa mergulha na trajetória de um povo, só pode ser bem vinda. Vale a pena lê-la para compreender como a Bolívia retomou seus próprios caminhos, destino e História e se colocou de novo como uma nação livre, soberana e em posição de vanguarda no mundo de hoje.
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Advogado, consultor e militante político, ex-deputado federal e ex- ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, mantém um blog