O jornalismo impresso é o registro do cotidiano. Portanto, é a própria história de um país e de um povo perpetuada como testemunho. Um documento impresso que não pode ser apagado ou reeditado por tecnologias que transformam fatos registrados em efêmeros jogos de imagem e som.
Ao pesquisar 91 edições do jornal Tribuna do Pará, relativas ao período de 3 de julho de 1954 a 31 de agosto de 1958, o jornalista Francisco Ribeiro do Nascimento não só resgata um período da luta democrática da história brasileira, eterniza-o em livro.
Páginas de resistência salva da morte, do esquecimento, uma parte da imprensa comunista. Lista os periódicos destruídos inseridos em dois mundos: o da legalidade e o da ilegalidade. Recorda os militantes idealistas, que desde a fundação do jornal, em 1946, atreveram-se a sonhar com um país melhor, com uma sociedade mais justa.
O autor nos presenteia com um documento, hoje tema de linhas de pesquisa em cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, de várias universidades do mundo: estudos midiáticos.
Estudos entrelaçados
Essa linha de pesquisa procura inventariar, registrar e divulgar os produtos e processos midiáticos na cultura dos grupos sociais. Possibilita o conhecimento do contexto sociopolítico da realidade.
O tema é tão importante que o diretor da Cátedra Unesco/Umesp de Comunicação para o Desenvolvimento, o jornalista e professor José Marques de Melo, reuniu grupos de jornalistas, professores-pesquisadores brasileiros na Rede Alçar (Rede Alfredo de Carvalho para o Resgate da Memória da Imprensa e a Construção da História da Mídia no Brasil), hoje com sede na Universidade Federal de Santa Catarina, para estudar e registrar os periódicos e a própria história da imprensa nacional.
Não se trata apenas de um inventário de páginas microfilmadas. Nascimento inventaria criticamente um produto midiático regional, no caso a Tribuna do Pará, e convida à reflexão ao expor as fotos dos mártires de um tempo em que a sociedade se mobilizava para construir um país melhor para todos.
Páginas de resistência explica, ainda, o processo de hibridação imagem-objeto-sujeito, decorrente do impacto direto das ações infames da ditadura imposta em 1964.
O estudo de produtos e tecnologias midiáticas insere-se nos entrelaçamentos entre ciência, cultura e tecnologia e possibilita a compreensão e a análise de processos e produtos da comunicação de massa. Estuda os fenômenos conjunturais inerentes aos sistemas midiáticos brasileiros e às políticas sociais. Realiza um inventário crítico e analítico dos processos de produção e difusão do saber midiático.
Além de uma tese de doutorado
Francisco Ribeiro do Nascimento fez mais do que uma tese de doutorado. Seu livro torna-se público. E nos leva a refletir e entender os processos e produtos da comunicação midiatizada como instâncias produtoras de sentidos e sua influência na cultura regional.
Toda a sociedade brasileira precisa conhecer essa obra aberta, agora, ao mundo. Seu maior legado, além da recuperação da memória nacional, é mostrar que as pautas de reivindicações da Tribuna do Pará e do PCB continuam atuais: reforma agrária, conflitos e assassinatos no campo, salários indignos, desemprego, imperialismo, guerras.
O livro nos remete a um tempo em que as páginas de muitas vidas foram escritas com sangue. O valor dessa obra não pode ser dimensionado por simples adjetivos. Sua importância é tão grande ou maior que a de uma tese de doutorado. Ao relembrar essa cicatriz desastrosa aberta em 1964, Francisco Nascimento possibilita às novas gerações um legado precioso: não esquecer para nunca deixar de lutar.
O próximo encontro da Rede Alcar acontecerá de 14 a 16 de abril de 2005, no Centro Universitário Feevale, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. E seria uma honra para todos nós, jornalistas pesquisadores, apresentar e conhecer a obra de Nascimento, nesse encontro.
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Jornalista e professora-doutora em Teoria e Ensino da Comunicação; professora do mestrado em Comunicação da Unipac-BH; diretora editorial da Pós-Graduação da Unimonte (Santos, SP)