Escrever sobre fatos tão dolorosos como a prisão, tortura, anos afastado da sociedade é muito doloroso. Pior ainda quando se assiste, da prisão, impotente, ao assassinato de tantos companheiros de luta, que ousaram continuar lutando quando parecia já não haver chance de vitória. Mais difícil é sentir que seus planos mais ambiciosos, de um País livre, sem opressão, pareciam ter sido frustrados. Diante de tantos sentimentos tão fortes, resolvi adiar por muitos anos o meu desejo de escrever um livro sobre a ousadia de um grupo de jovens que enfrentou a ditadura militar brasileira nos anos 60 e 70 do século passado.
Queria fazer como Graciliano Ramos, que só escreveu Memórias do cárcere dez anos depois de ter sido libertado da prisão, durante a ditadura de Getúlio Vargas. Acabei concluindo o livro 27 anos depois de ter sido libertado do cárcere da ditadura militar.
Foi bom ter aguardado tanto tempo, deixado as emoções mais angustiantes bem longe. Mas a memória continuava viva, assim como a lembrança daqueles que tombaram na luta menos dolorida.
Todos os personagens do livro são reais. Os nomes citados são verdadeiros, exceto os de algumas pessoas que, consultadas, pediram que pseudônimos fossem usados. As situações narradas também aconteceram, e, quando não tiveram minha participação direta, me baseei em testemunhos de quem as viveu ou em extensa pesquisa em arquivos.
Ao escrever, pensei muito nos jovens de hoje, uma geração e meia posterior à minha, e procurei mostrar o contexto político, econômico, social e cultural que levou jovens dos anos 1960 a pegar em armas contra a opressão ditatorial.
O baú do guerrilheiro trata de fatos entre 1966 e 1976, datas, respectivamente, em que ingressei no movimento estudantil e em que saí da cadeia. Optei por uma estrutura narrativa não-cronológica, imitando o escritor argentino Julio Cortázar em O jogo da amarelinha. No começo, o dia da minha prisão, e nos capítulos ímpares, a experiência da tortura e cadeia até minha libertação; nos capítulos pares, um recuo no tempo até 1966.
Quem quiser ler na seqüência cronológica, deve começar no capítulo 20, voltar pelos pares até o capítulo 2 e seguir pelos ímpares até o capítulo 21, encerrando o livro com o capítulo 22, apropriadamente denominado ‘A revelação’.
Este livro é uma homenagem àqueles que morreram lutando contra a opressão no Brasil.