Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia não deu destaque

“Tudo que nos parece estranho, condenamo-lo” (Montaigne)

Quem se der ao trabalho de acompanhar as análises de alguns dos mais festejados comentaristas das mídias eletrônica e impressa a respeito da conjuntura socioeconômica brasileira ficará inteirado, com abundância de dados e números, que a situação não anda nada boa. É péssima, terrível, abacadabrante, como costumava dizer o primo rico (Paulo Gracindo), no saboroso quadro radiofônico/televisivo de tempos atrás, ao primo pobre (Brandão Filho).

A ideia que a erudita avaliação invariavelmente passa é a de que o país vive sempre na pior. À beira do precipício. As análises costumam enveredar para comparações com países que o douto pessoal aponta como bem-sucedidos em suas políticas desenvolvimentistas. Eles, os estrangeiros – argumenta-se com indisfarçável pedantismo – é que sabem das coisas. Conhecem de cor e salteado as saídas pras crises, a solucionática para a problemática, de que nos falava mestre Dario. Mais preparados, mais criativos, mais tudo, conseguem botar em prática políticas eficientes, que não podem deixar de ser louvadas como exemplos a serem seguidos, sem vacilações, em lugares e por gente menos aquinhoados de qualificações na gestão das coisas que fazem o mundo avançar.

Essa cantilena derrotista enervante não esmorece nem diante de constatações ululantemente óbvias que esses comentaristas por dever de oficio estariam na obrigação de divulgar. Caso, por exemplo, de recente relatório econômico elaborado por um organismo internacional insuspeitíssimo por mil e um motivos. Dos quais motivos para o bem informado e arguto leitor não haverá necessidade de se mencionar um único que seja. No referido relatório, essa instituição, o FMI (Fundo Monetário Internacional), mostra a evolução do endividamento, país por país, ao longo de 11 anos, começando por 2000, indicando o percentual de comprometimento do Produto Interno Bruto diante da dívida bruta de cada um deles, o Brasil no meio. A matemática retratada é bastante reveladora. A melhor performance, disparada, nesse capítulo de avaliação das políticas econômicas em curso nos países listados, pertence justamente ao Brasil.

Situação declinante

Anotem aí, por favor, os números. O grau de endividamento do Japão em relação ao PIB já era sumamente desfavorável em 2000: 142,7%. Mas pulou, agora, ameaçadoramente, em 2011, para 229,1%. Nos Estados Unidos, o comprometimento do PIB com as dívidas acumuladas saltou em 11 anos de 54,8% para 99,5%. Na França, os números apurados foram estes: 57,3% no ano 2000, 87,6% em 2011. Alemanha: 59,7% – 80,1%. A variação para mais no Canadá foi menor do que a de outros países da lista dos mais desenvolvidos economicamente: 82,1% em 2000 e 84,2% em 2011. A Itália, com endividamento que já havia transposto o valor do PIB no começo da década passada, ampliou consideravelmente suas perspectivas de risco. Saiu de 109,2% em 2000, para 116,1% em 2009, 119,0% em 2010, chegando a 120,3% em 2011.

Antes de declinar os índices brasileiros, vamos reproduzir, para fins de ilustração, o que anda acontecendo com países que estão sendo na atualidade alvo de atenção especial, à vista de seu elevado grau de endividamento, por parte da Comunidade Europeia. A Grécia, já em 2010, ostentava números preocupantes: 103,4%. De 2006 em diante, a situação só fez piorar: 106,6% nesse ano, 105,1% em 2007; 110,3% em 2008; 126,8% em 2009; 142% em 2010, e, agora, em 2011, nessa fase de conturbação que exigiu intervenções drásticas, 152,3%. Portugal é outro país que está a percorrer itinerário crítico. O índice de endividamento face ao PIB era de 48,5% em 2000. Num crescendo contínuo, chegou, em 2011, a 90,6%.

Chega a vez de mostrar o desempenho do Brasil. O índice de 66,7% do ano 2000 sofreu variações para mais entre 2001 e 2005. Manteve-se praticamente estável daí em diante, caindo em 2010 (66,15) e 2011 (65,7%). De todos os países aqui citados, o Brasil foi o único a celebrar uma situação auspiciosamente declinante, nesses índices, segundo avaliação do FMI.

Algo assim é de molde a trazer gáudio para todos nós, brasileiros. Mas a mídia, sobretudo no espaço ocupado pelos comentaristas econômicos mais festejados, não dá pelota para a revelação. Estranhável pacas!

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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MH]