Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

“A mídia não é um planeta, mas uma galáxia”



Quando entrevistamos Ken Auletta da última vez, ele tinha acabado de lançar Backstory, um apanhado de textos seus publicados pelo New Yorker durante dez anos.


Ele não revela em que está trabalhando agora, mas dá para adivinhar que se trata de um trabalho grande, pormenorizado, cheio de petiscos exclusivos, que poderia ser manchete em muitos outros lugares. No perfil de Lou Dobbs que fez recentemente, fixou a remuneração anual do âncora em 6 milhões de dólares – uma cifra que vem sendo objeto de especulações há anos – e Auletta diz que checou com três fontes que se recusa a revelar.


Tanto em seus livros quanto nos artigos que escreve para revistas, Auletta escreve com um espírito, autoridade e meticulosidade que têm origem num trabalho aprofundado, inúmeras notas de referência, entrevistas repetidas à exaustão e uma pesquisa o mais abrangente possível. E, talvez por isso, sua mulher lhe deu o apelido (veja abaixo). Auletta falou e, em seguida, enviou mensagem a Dorian Benkoil, diretor editorial do Mediabistro.com


Nome: Ken Auletta


Profissão: Escritor e redator de Anais de Comunicação para a mídia


Publicação: The New Yorker


Educação: Bacharelato na Universidade Estadual de Nova York em Oswego, mestrado em Ciência Política na Faculdade Maxwell, Universidade de Siracusa


Cidade em que mora: Brooklyn, Nova York


Primeiro emprego: Aos 9 anos, ajudando meu pai, Pat Auletta, numa loja de material esportivo em Coney Island


Três empregos anteriores: Escrevi para o New Yorker desde 1977, também mantive uma coluna semanal, sobre política, no New York Daily News, de 1977 a 1993, e escrevi dez livros. Antes de 1977, deu um branco…


Dia de nascimento: 23 de abril de 1942


Estado civil: Casado


Programas preferidos da TV: Tenho que escolher? Sou viciado em Sopranos, 24, e Studio 60


Último livro que leu: Dois ao mesmo tempo: The Lay of the Land, de Richard Ford, e The Looming Tower, de Lawrence Wright


Matéria jornalística mais interessante do momento: Passo


Primeiro caderno que lê da edição dominical: Esporte


Prazeres condenáveis: Massas


***


Você cobriu a mídia anos a fio, muito tempo para a New Yorker. Isso não cansa? (O que é que mantém seu interesse?)


Ken Auletta – Não canso porque a mídia não é um planeta e, sim, uma galáxia de planetas cujo elenco de personagens muda constantemente. Antigamente, chamava-se jornalismo à mídia. Agora, é softwares, cabos, a internet, livros, redes, televisão por satélite, PDAs, telefones celulares e videogames, entre outras coisas. Myspace e YouTube são, em parte, sistemas de distribuição novos.


A mudança é um dado e é difícil você ficar enfastiado com algo que é sempre novo. É possível argumentar que a invenção da eletricidade, no século 19, teve um impacto mais profundo na sociedade do que a internet (que funciona por eletricidade). Mas o que é diferente hoje é a velocidade das mudanças. Imagine o tempo que levou para que o telégrafo, ou o telefone, ou o rádio e a televisão, se tornassem meios de comunicação de massa. E depois reflita sobre os menos de cinco anos que levaram para aparecer o iPod.


O fato de você estar na mídia, um pouco como uma celebridade, e também escrever sobre a mídia não lhe parece um pouco incestuoso?


K. A. – Se um jornalista se lembrar que a audiência é o leitor, e não o tema do artigo, e tentar se aproximar o mais possível da verdade, e não buscar fazer amizade, aí, evita a arapuca. Não tenho amizade pessoal com as pessoas sobre quem escrevo. Mas gosto das pessoas, sou relativamente agradável e sei que as pessoas se abrem mais facilmente se o estilo do entrevistador não for o de um dentista com a broca na mão.


Você tem um assessor, um pesquisador, ou faz todo o trabalho sozinho?


K. A. – É uma operação papai-mamãe, sem mamãe.


Quanto tempo leva para você preparar uma entrevista? Para um perfil que você tenha que fazer?


K. A. – Não há uma resposta específica para essa pergunta. Em geral, passo semanas lendo sobre o assunto em pauta. E, quando se trata de um perfil, tento fazer mais de uma entrevista. Nesse caso, a primeira é normalmente autobiográfica. Depois tento entrevistar conhecidos, amigos, concorrentes etc., coletando informações e perguntas que me deixem melhor preparado para o segundo round.


Qual é o macete para fuçar todos os detalhes que você usa em seus trabalhos? (Por exemplo, você fixa a remuneração de Lou Dobbs em 6 milhões de dólares ao ano sem vacilar. Como é que você consegue ser tão preciso?)


K. A. – Eu seria um idiota se lhe dissesse como consegui algo que não tem uma fonte revelada. Foram três as fontes que me falaram dos 6 milhões de dólares – e meu editor e o camarada que conversou com as fontes, ou ouviu a gravação que eu fizera, deram-se por satisfeitos.


Como é que você toma notas? Como é seu sistema para conseguir tantos detalhes em seus trabalhos, mantendo-os todos organizados?


K. A. – Com alguma razão, minha mulher me chama de anal [trocadilho em inglês, pois também se usa anal para diminutivo de ‘analítico’]. Crio três arquivos digitais: a) um que chamo de índice de todo o material que coleto; b) um arquivo com as pessoas que pretendo entrevistar e do que terei que ler; e c) um arquivo com as perguntas a serem feitas a cada um dos entrevistados. Dentre os três, o fundamental para mim é o índice. Quando se trata de um trabalho grande, o índice chega a ter 50 laudas/tela de uma linha e constitui um sistema de checar as referências de cada entrevista ou documento.


Enumero cada caderno de anotações e documento e assinalo um título, no índice, daquilo que alguém disse que eu poderia vir a usar, seguido, por exemplo, por (A, p.30), o que para mim significa caderno de anotações A, página 30; os documentos também são numerados (10, p.64); e os livros são catalogados em algarismos romanos (IV, p.290). Em seguida, desdobro o índice em assuntos – como leads, cronologia, bio, observações, temas etc. – e salvo novos arquivos em cada uma dessas categorias.


Tento classificar como lhe estou contando porque, embora seja muito maçante, é também muito importante. Evito salvar um arquivo isoladamente pela preguiça de, depois, ter eventualmente que reler todo o processo de novo. Enquanto estou classificando, vejo os nomes de pessoas que devo entrevistar, que são citadas histórias ou fatos que deveria confirmar com outras fontes. Pulo para as perguntas a serem feitas, digitando-as, e para as pessoas sobre as quais tenho que consultar documentos, acrescentando nomes.


Quando termino de coletar os dados, fico estudando o índice por vários dias, o que espero que me irá ajudar a dar a volta por cima. Depois, transporto os dados para a tela, como um baralho de cartas, e, lentamente, organizo a narrativa. Vou tirando os assuntos do índice, no qual coloco um ‘visto’ junto a cada título transposto, o que me permite ver, quando termino o rascunho, o que ficou de fora e o que foi incluído.


Qual é seu veículo preferido para trabalhar? Artigos de revista? Artigos de jornal? Livros? Uma mistura? Você gosta de TV?


K. A. – Como escrevi uma coluna e trabalhei na TV, alimentei um preconceito forte em relação a esse tipo de jornalismo. O New Yorker e os livros me dão mais satisfação, um espaço para partilhar a complexidade.


Muitos escritores e jornalistas não ligam, para dizer com franqueza, para a aparência. Você parece cuidar de sua aparência, muito alinhado. Por que isso é importante para você e para a imagem que pretende projetar?


K. A. – Gosto de roupas boas e sou razoavelmente agradável. No entanto, rôo as unhas.


Sua matéria sobre Howell Raines tornou-se um pouco irônica depois que ele renunciou. Olhando em retrospecto, e se o pudesse fazer, você mudaria alguma coisa? E que tal escrever uma suíte? Já pensou nisso?


K. A. – Na verdade, eu pensava que a matéria sobre Raines passasse aos leitores uma idéia de sua insolência e arrogância, assim como de seu talento. Quando, um ano depois, ele foi forçado a se demitir do cargo de editor-chefe do New York Times, achei que quem tivesse lido minha matéria teria um contexto que lhe permitiria compreender o porquê.


Qual a influência que você acha que suas matérias têm? Essa influência o surpreende?


K. A. – É perigoso, para um jornalista, pensar em ‘influência’. Nosso trabalho consiste em fazer perguntas e se nos tornarmos presunçosos com nossa auto-importância, vamos querer responder às perguntas, e não, fazê-las.


Quantas matérias você escreve por ano? Como é seu emprego? Contrato? Com todos os direitos trabalhistas? Você é bem pago?


K. A. – Devo escrever um mínimo de palavras por ano para o New Yorker.


Você trabalha em casa. Foi por opção? Por que o faz?


K. A. – Gosto de ficar perto da geladeira.


Como você chegou até onde está hoje, que pode ser considerado o auge do jornalismo de revistas? Como foi seu percurso (para quem o possa querer imitar)?


K. A. – A vida raramente é uma linha reta. No colégio, fiz atletismo, passei com uma média de 6,4 e ganhei caráter. Entrei para a Universidade Estadual de Oswego porque o treinador de beisebol disse que eu tinha um futuro promissor como lançador. Quase perdi o ano e aí conheci novos horizontes, o que incluiu editar o jornal clandestino da faculdade; em seguida, achei que queria ir para Relações Exteriores; depois, estudei governo e política; aí, enchi o saco com um programa de doutorado em Ciência Política e abandonei-o para escrever discursos para políticos; depois trabalhei no governo e para Robert Kennedy até seu triste assassinato; depois chefiei a campanha eleitoral de um homem maravilhoso, candidato a governador de Nova York, o qual, com minha ajuda, perdeu; depois fui repórter para o New York Post, em seguida escrevi para o Village Voice e para a revista New York, nos quais cobria principalmente governo e política. Depois escrevi livros sobre assuntos variados, tais como a economia de Nova York, a pobreza, Wall Street e o julgamento da Microsoft, acusada de cartel. Tente entender…


Como é que você escolhe os assuntos?


K. A. – Consulto um médium.


Qual o tipo de matéria que acha mais gratificante?


K. A. – Perfis de pessoas complexas, através das quais você pode escrever algo mais abrangente.


Qual a matéria de que tem maior orgulho? E como chegou a ela?


K. A. – Uma delas seria a que fiz em 1992, para o New Yorker, sobre as aventuras de Barry Diller em busca de explicar – durante um período de seis meses, ao longo do qual teve que visitar todo mundo, de Bill Gates a Steve Jobs, dos laboratórios do MIT aos jornalistas mais antigos, tudo isso enquanto aprendia a usar seu novo laptop Powerbook, da Apple – o novo mundo das conexões digitais. Era uma matéria sobre o emergente futuro digital, nos tempos em que eu pensava que @ se pronunciava at e .com, ponto.com. Nunca tinha assumido tamanha responsabilidade.


A idéia surgiu de uma das coisas mais válidas que eu fazia quando comecei a escrever sobre mídia para o New Yorker, em 1992. Tina Brown era a nova editora e ela me perguntou se eu poderia escrever para a rubrica Anais de Entretenimento. Como eu acabara de publicar um livro sobre como a indústria das redes da ‘velha mídia’ vinha sendo desafiado pelas novas tecnologias – Three Blind Mice –, respondi que o espaço de Anais de Entretenimento era muito estreito para captar as mudanças convulsivas que ocorriam na mídia. Sugeri que deveria ser escrito para uma rubrica mais ampla, Anais de Comunicação, e que queria não escrever coisa alguma durante cinco meses, período em que iria fazer o que, como soube posteriormente, Barry Diller estava fazendo. Tina apadrinhou rapidamente a idéia.


Com o cartão de visitas de uma revista respeitável, com as entrevistas de um razoável número de pessoas que desafiavam as redes de televisão da ‘velha mídia’ – que eu fizera para meu livro Three Blind Mice – e com a garantia de que tudo isso seria tratado como um seminário, que a informação seria usada, mas não citada, acabei visitando cerca de 60 pessoas e instituições. Falamos sobre coisas que eles não conversavam com a imprensa, tais como: Onde eles sentiam os negócios mais vulneráveis? O que tirava seu sono de noite? Acho que tinha idéias para uma dúzia de matérias com essas visitas e uma delas acabou ganhando corpo em minha visita com Diller.


Com o imenso aumento de interesse pela cobertura da mídia, você acha mais difícil ficar na frente, encontrar abordagens originais, ângulos realmente novos das coisas?


K. A. – Claro.


O que é que você acha da internet? Você usa? Mudou sua vida? E da tecnologia em geral? Não conheço blog algum seu. Você tem página no MySpace? Por que ou por que não?


K. A. – A internet permite que os jornalistas façam uma pesquisa razoável – jornais, revistas, contribuições para campanhas, relatórios anuais, ortografia – sem sair de suas cadeiras; também permite comunicação eletrônica rápida, para preparar entrevistas ou esclarecer alguma coisa. Entre outras inovações, a tecnologia digital me permite deixar de lado as fitas e registrar entrevistas num gravador digital, conectar a memória do gravador a uma entrada e salvar num CD, dividir minha tela e, por meio de uma track ball, revisar a entrevista e digitar as frases que quero.


Tenho uma página na internet que contém todos os meus trabalhos, links para meus livros etc. Prefiro ler a compor blogs. E não tenho página no MySpace (a ‘transparência’ tem suas limitações).


De que maneira deverá o New Yorker mudar para poder concorrer com o panorama de mudanças na mídia atual? E de que maneira NÃO terá que mudar?


K. A. – O New Yorker – assim como o New York Times etc. – encontra-se na invejável posição de ser premiado por jornalismo de qualidade. Cada um desses veículos tem, para citar uma frase muito repetida, mas pouco compreendida, uma ‘marca’ que significa alguma coisa. O New Yorker, além disso, ainda acrescenta ficção realmente muito boa, arte e literatura.


Qual a melhor capa que o New Yorker já fez? Ilustração?


K. A. – Isso equivale a me perguntar qual é a massa que prefiro…

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Diretor editorial do Mediabistro.com