Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A opinião e o crime

[do material de divulgação]

“Jornalista preso por crime de opinião”. Com esta tônica, diversos jornais do interior fluminense, de capitais e organizações em defesa da liberdade de expressão noticiavam, em 30 de agosto de 2003, a prisão do jornalista Avelino Ferreira, em Campos dos Goytacazes, norte do estado do Rio. O motivo? Uma série de artigos publicada em 1999, no jornal Dois Estados, com sede na pacata cidade de Miracema, no noroeste. A repercussão, nacional e internacional, do caso chamou também a atenção do jornalista e fotógrafo Thiago Freitas, que, passada uma década, reuniu os detalhes desta e de outras histórias semelhantes no livro Opinião e Crime – A história da prisão do jornalista Avelino Ferreira (Marka Editora).

Os bastidores do embate judicial, os 12 dias que Avelino passou no Presídio Carlos Tinoco da Fonseca – relatados em um diário –, as manifestações populares geradas em seu favor, assim como uma análise do exercício do jornalismo diante do que o Observatório da Imprensa passou a classificar como “censura togada”, estão distribuídos por seis capítulos que percorrem as quase 240 páginas da obra.

– O caso Avelino foi o primeiro a ganhar as páginas dos grandes jornais reportando a prisão de um jornalista no interior, com base na Lei de Imprensa, isso 18 anos após o fim da ditadura militar no Brasil. Colocar um profissional da imprensa atrás das grades por causa de um artigo, num regime democrático, em que a liberdade de expressão está assegurada na Constituição, não poderia soar senão como absurdo. Acho que por isso a grande repercussão que teve. Foi um episódio singular, levado às últimas consequências e que, a meu ver, merece ser repensado e discutido pelos setores responsáveis da sociedade – defende Freitas.

A história

Avelino Ferreira, hoje professor de Filosofia da rede estadual de ensino, foi condenado em 2000 pelo juiz João Carlos de Souza Corrêa (o mesmo que se envolveu num processo polêmico por dar voz de prisão à agente da Lei Seca Luciana Tamburini), quando este respondia pela comarca de Miracema. No texto intitulado “Para compreensão do leitor”, o jornalista, como editor do jornal Dois Estados, contestava a sentença do juiz Alexandre de Carvalho Mesquita, também da comarca de Miracema à época. O magistrado já o havia condenado em outro processo, movido pelo então prefeito do município, Gutemberg Damasceno, em face do editor e do jornal. A cada artigo publicado, Mesquita abria uma representação no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do jornalista, chegando ao total de dez. Avelino foi condenado em cinco processos.

Entre um capítulo e outro, o leitor tem acesso a partes das peças processuais da época, depoimentos, opiniões e entrevistas de personagens envolvidos nas manifestações pela libertação de Avelino, além de reproduções de jornais e fotos publicados na época da prisão.

Repercussão internacional

A prisão de um jornalista no interior do estado do Rio de Janeiro em seu exercício profissional causou indignação nacional e internacional. Entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a ONG Repórteres Sem Fronteiras e a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) cobraram das autoridades brasileiras o comprimento do artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, colocando o judiciário numa situação, no mínimo, embaraçosa.

Também a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestaram contra a prisão do jornalista. Em Campos, colegas de profissão, artistas locais, políticos e amigos realizaram atos nas ruas. Em um desses, acorrentaram-se às grades do presídio para pedir a soltura de Avelino.

– Os dias que Avelino dormiu no cárcere, as manifestações pela sua liberdade, sua saga contra a arbitrariedade de um juiz, tudo isso forneceria material suficiente para uma narrativa envolvente, escrita como nos bons exemplos do jornalismo literário, com o autor assumindo o comando da história do início ao fim. Em Opinião e Crime, Freitas escolheu o caminho de um repórter que não quis ser maior do que a notícia e seus atores, o que possibilitou o acesso à reprodução de dezenas de textos e documentos produzidos no próprio calor dos acontecimentos, moderados por ponderadas inserções – afirma sobre a obra Vitor Menezes, jornalista, professor universitário e autor de uma das entrevistas com Avelino publicadas no site Observatório da Imprensa durante os primeiros dias no presídio.