Em meio a informações desencontradas de que Gabriel García Márquez não escreveria mais e já tinha um romance pronto, seus editores decidiram lançar esta reunião de discursos. Aos 83 anos, com um Prêmio Nobel no currículo e fama universal, García Márquez chegou ao patamar dos escritores cuja produção “lateral” atrai tanta atenção quanto a ficcional, um pouco como os desenhos feitos por Pablo Picasso em guardanapos de papel acabaram arrematados em leilões por preços astronômicos.
A maioria dos 21 discursos do livro era inédita na forma impressa. O primeiro foi pronunciado aos 17 anos, na formatura do ensino médio, em 1944, e o último diante das Academias da Língua e dos reis da Espanha, em 2007, em homenagem a seus 80 anos, os 40 da primeira edição de “Cem Anos de Solidão” e os 25 do Nobel. É um arco longo, de toda uma vida. Mas não faz jus a ela, porque, na maior parte, são textos de decepcionante opacidade.
O título do livro é tirado do primeiro discurso. A relutância do autor diante da oratória será expressa várias vezes nessas tentativas iniciais. Numa delas, García Márquez refere-se à obrigação de fazer discursos como “o mais aterrorizante dos compromissos humanos”. Com o tempo, no entanto, ele passa a demonstrar a cancha dos discurseiros profissionais, repetindo argumentos, citações e anedotas.
Por isso, talvez bastasse o vigoroso discurso da cerimônia de entrega do Nobel para expressar sua visão política, repisada com menos felicidade em outras ocasiões. Nele, García Márquez chama às falas a boa consciência europeia, recusando a aplicação à América Latina de esquemas consagrados em outros contextos. Diz ele: “Tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó da nossa solidão.”
Na soma geral, emerge um defensor intransigente do espontaneísmo, da informalidade e da primazia das emoções (os artistas “não são intelectuais, são sentimentais”), um fatalista e, causando um pouco de surpresa, um pessimista (nosso planeta, diz, “é uma aldeia sem memória, largada de mão por seus deuses no último subúrbio da grande pátria universal”). Defensor declarado da criatividade e da mudança, mostra-se ultraconservador num discurso sobre jornalismo. Desfia uma arenga maniqueísta em defesa de seus bons tempos de redação – que apresenta orgulhosamente como anteriores não só ao gravador, mas ao telex e ao teletipo – e contra a atual geração de profissionais. Neles critica tudo, do uso da língua ao comportamento ético.
Não são mais interessantes a homenagem ao ex-presidente colombiano Belisario Betancur, nem as inaugurações relacionadas à escola de cinema de Los Baños, em Cuba, nem mesmo a rememoração de Julio Cortázar, praticamente restrita a mais uma descrição da esquisitice física e dos modos gentis do escritor argentino. Muito melhor é a homenagem bem-humorada a outro escritor, o amigo de juventude Alvaro Mutis.
O livro vale a pena ainda por dois outros discursos. Num deles, pronunciado durante um encontro organizado pelas Forças Armadas da Colômbia, García Márquez se entrega a um exercício raro entre intelectuais: admitir e explorar os próprios preconceitos. O outro, feito num congresso de língua espanhola no México, em 1997, mas dirigido em tom ligeiramente alucinado ao “deus das palavras” (os maias tinham um), defende a libertação do idioma “de seus ferros normativos para que entre no século XXI como quem entra na própria casa”. O escritor brada: “Simplifiquemos a gramática antes que a gramática acabe nos simplificando.”