Na semana passada, acompanhei atento a conversa entre dois amigos – Sergio Leo e Idelber Avelar – sobre a ‘imprensa golpista’. Neste domingo (7/6), recebi não um, não dois – mas oito emails me perguntando se existe a instituição do ‘sigilo de pergunta’ de jornalistas. Trata-se, evidentemente, do já polêmico blog da Petrobras. Os dois assuntos estão relacionados.
Antes de tudo: não, não existe sigilo de pergunta. A Petrobras, ou qualquer empresa, tem o direito de tornar públicas todas as perguntas que recebe de repórteres. Não é nem ilegal, nem antiético.
É só má assessoria de imprensa.
A Petrobras decidiu comprar uma guerra contra os jornais, quebrando seus furos. Tem o direito, evidentemente. Do ponto de vista político, escolheu o alvo errado. Não é a imprensa que está em guerra contra a Petrobras. Quem pôs a Petrobras no centro do picadeiro foi a oposição ao governo federal, com o objetivo de fazer chantagem política. A diretoria da Petrobras talvez esteja convencida de que a grande imprensa e a oposição política são a mesma coisa. Mas não são – são bichos com interesses absolutamente diferentes.
Se o único objetivo da Petrobras fosse realmente transparência, era muito simples resolver: publica perguntas e respostas logo após os jornais levarem ao ar suas informações exclusivas.
Leitores não acreditam
O pior que uma empresa de assessoria de imprensa pode fazer para seus clientes é perder a relação de confiança com repórteres e editores. Essa confiança, afinal, é o que a sustenta. Lição básica que quem é do ramo conhece. Se pode fazer algum sentido a curto prazo – os suspeitos de sempre vão elogiar, afinal – a médio e longo prazo, tem gente arruinando a própria reputação.
Mas esta é uma questão acessória.
A questão real, a discussão principal da qual esta polêmica é só um capítulo, é a relação entre imprensa, empresas, governo e público. Estou longe das redações, então não sei como essa discussão está sendo encarada nas diretorias. Se eu tivesse que chutar, apostaria que ninguém está percebendo: a credibilidade da imprensa brasileira está lentamente sendo minada.
Isso aconteceu nos EUA alguns anos atrás e marcou o início da crise da indústria. Aqui foi igual, mas trocaram os sinais: a imprensa era acusada de estar a serviço da esquerda – the liberal media – e os cães de ataque do governo Bush, no rádio e na internet, fizeram de tudo para derrubá-la. Some-se o bombardeio a uma série de erros cometidos nas redações, de Dan Rather na CBS ao New York Times, e pronto.
No Brasil é igual. Quem tem o poder político acusa a imprensa de estar a serviço da oposição e erros da própria imprensa colaboram para a ilusão. A diferença é que no Brasil a grande imprensa não se manifesta. Continua a tocando sua vida como se não houvesse um bode no meio da sala.
Ela ignora o problema porque acredita que as acusações são isoladas – uma meia dúzia de blogueiros que perderam seus empregos nas grandes redações e a outra meia dúzia que os segue. A questão é que a acusação de que a imprensa é partidária ressoa perante o público. Muitos dos leitores, inclusive aqueles mais atentos, acreditam que o trabalho jornalístico está a serviço de interesses que não são, necessariamente, os do público.
A crise que a imprensa vive hoje nos EUA começou assim.
Depois, quando a estrutura de financiamento da indústria começou a ruir, a grande imprensa precisou argumentar sobre sua importância para a democracia. A questão é que os leitores não acreditam. A imprensa dos EUA vive sua maior crise de credibilidade na história justamente na época em que mais precisa de credibilidade.
Fundamento da democracia
A imprensa brasileira deveria começar a atacar essa questão agora. As empresas que prestam assessoria de imprensa para a Petrobras podem estar cavando a própria cova no futuro mas, desatenta, a grande imprensa não percebe que a ação de hoje faz parte de um contexto que ameaça sua existência.
Para garantir sua sobrevivência no futuro, os grandes veículos de imprensa no Brasil precisam começar imediatamente um processo de conversa com os leitores. Devem apostar radicalmente na transparência de seus processos internos. Não podem apostar que os leitores confiarão apenas pelos seus olhos: têm que ganhar a confiança.
Não estou, aqui, dizendo que todos os veículos fazem jornalismo de primeira ou que erros não tenham sido cometidos. E é claro que devemos discutir cada um dos erros. Aliás: é justamente pela discussão e admissão aberta e franca, pela imprensa, de seus próprios erros, que passa a solução. A instituição imprensa é fundamental para a democracia e alguém tem que fazer jornalismo que não seja partidário. Se quem faz não é percebido assim, há um problema de comunicação que precisa ser imediatamente corrigido.
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Atualização – À moda da imprensa norte-americana, e para fazer jus à transparência que cobro, devo dizer que – como muitos brasileiros – tenho ações da Petrobras, portanto pode-se argumentar que tenho interesse financeiro direto no sucesso financeiro da empresa. Acaso alguém dentre os leitores não o saiba, sou colunista do jornal O Estado de S. Paulo. Fui colunista da Folha de S. Paulo, já escrevi para alguns títulos da Abril e fui funcionário tanto da Rede Globo quanto da GloboPar. Quando falo sobre a grande imprensa, portanto, falo de dentro, com todas as vantagens (informação sobre como funciona) e desvantagens (me paga o salário) que possam haver.
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Jornalista