Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A polêmica sobre correção de textos na web

Uma das grandes transformações geradas pela digitalização de textos é a possibilidade de eles serem alterados a qualquer momento, permitindo atualizações, correções ou ampliações. Isto permite às redações e aos jornalistas autônomos mudar o conteúdo de notícias e reportagens de forma dinâmica superando a rigidez do formato impresso ou audiovisual analógico.

A possibilidade de dissimular erros acabou gerando uma polêmica entre jornalistas sem que até agora as partes envolvidas tenham chegado a um consenso. Os defensores das correções e atualizações afirmam que o recurso beneficia o visitante da página noticiosa online porque evita que erros ou omissões acabem induzir a mais erro, prejudicando a confiabilidade do material publicado.

O outro grupo de profissionais afirma que a alteração dos textos dissimula erros, gerando entre os leitores uma falsa impressão de precisão e de credibilidade. Para essa corrente, o visitante deveria ter a possibilidade de conferir as alterações feitas, para ter uma ideia mais real da evolução da notícia e do trabalho realizado pelo repórter ou editor.

Tapete virtual

Os dois lados têm argumentos razoáveis e outros nem tanto. Mas a questão só pode ser entendida em toda a sua extensão ao constatar como a digitalização e a internet alteraram o conceito de notícia no jornalismo. A notícia online deixou de ser estática para ser dinâmica. Os veículos de comunicação analógicos (impressos e audiovisuais) não permitem a alteração de uma notícia uma vez que ela é publicada. Pode haver correções, mas estas são a posteriori, e geralmente limitadas a uma alteração.

Já na web, uma mesma notícia pode ser alterada indefinidamente por meio de atualizações constantes. Teoricamente não existe mais um formato final. Num jornal, a notícia é um evento, na web ela se tornou um processo. Isto faz com que ela não seja mais definitiva, criando a possibilidade de que o que em algum momento foi considerado certo, deixe de sê-lo.

Nos Estados Unidos surgiram vários projetos online em que acontecimentos que mereceram grande cobertura na imprensa convencional foram retomados na web, onde protagonistas e testemunhas não consultados por jornais e emissoras de rádio ou TV tiveram a possibilidade de se expressar em blogs ou áreas de comentários de páginas noticiosas online. Na maioria dos casos, houve uma mudança radical de percepções por parte do público.

Um site chamado Media Bugs se especializou em identificar erros jornalísticos graças a contribuições de leitores, fornecendo elementos para ampliar a contextualização de fatos, dados e processos, o que dá as pessoas melhores condições de praticar uma leitura crítica da imprensa.

Quase todos os sites de grandes jornais alteram rotineiramente os textos para corrigir erros ou remediar omissões, mas raramente essas modificações são disponibilizadas para o leitor. É como se empurrassem os seus erros para debaixo de um tapete virtual, seguindo o velho cacoete profissional de evitar o reconhecimento público de erros.

Duplo desafio

Já existem várias técnicas para dar visibilidade à correção de erros nos textos online, especialmente em blogs, como é o caso das fontes tachadas (tachadas), usadas para mostrar uma palavra ou texto que foi substituído por um mais atualizado ou corrigido. Outra alternativa é criar links nos textos alterados para levar o leitor até o original. A propósito, o título original deste post tinha dois erros ao ser publicado: “Polemica Polêmica sobre correção de textos ma na Web questiona transparência das redações”

Mas a questão central não é a técnica, mas o problema da transparência ou a metáfora das “redações de vidro”. A web gerou uma descentralização no fluxo de informações e notícias que colocou em xeque a posição olímpica das redações. Não se trata de fazer julgamentos morais se isso é bom ou ruim. O fato concreto é que houve uma mudança no sistema de produção de notícias.

Antes da web, para criar um veículo de comunicação era necessário um grande investimento financeiro para a compra de equipamentos e licenças, o que levava inevitavelmente ao aparecimento de grandes empresas que concentravam e monopolizavam o fluxo de informações. Agora isso está diferente porque houve uma mudança tecnológica, comparável à invenção dos tipos móveis de Gutemberg, que tornou obsoletos os escribas.

Essa nova situação criada pela emergência da web como canal para veiculação de notícias de atualidade coloca os jornalistas diante de um duplo desafio: por um lado atualizar constantemente dados, fatos e notícias, e por outro preservar a transparência no processo de produção de informações, dando ao leitor a possibilidade de acompanhar o desdobramento da cobertura. É quase dobrar o trabalho – o que tem um lado bom (mais empregos para jornalistas) e outro ruim (dificuldades financeiras das empresas em pagar mais profissionais).