Folha de S.Paulo, 22 de outubro de 2011. Página E1 e E3 do caderno Ilustrada. A matéria de capa tratava do novo livro do Jô Soares, As esganadas. Ela divide espaço com um anúncio publicitário gigante que toma praticamente ¾ da página E1. De qualquer forma, a reportagem é interessante: além de descrever muito bem o novo livro do autor, também cita outros dados curiosos, como a tiragem inicial do romance (80 mil exemplares), a alta vendagem dos outros livros do Jô (já passam de 1 milhão de obras vendidas) e o fato de que a obra foi escrita em um ano e meio de trabalho e é fruto de uma minuciosa pesquisa sobre o Rio de Janeiro da década de 1930. Jô também afirma na matéria que a pesquisa para o livro é sua parte favorita. “O livro é só uma consequência”, diz.
Na página E3 há um anúncio publicitário, mas não tão grande como o anterior. Jô fala sobre os limites do humor e tem uma crítica ao romance. A análise é feita por um professor de literatura da USP que classifica a obra como “ruim”. Ele reclama do didatismo e do final pouco inspirador do livro. Afirmaque a obra abusa dos clichês e diz que tudo no livro é “bem explicadinho”. Algumas coisas merecem uma consideração detalhada nessas duas páginas da Folha que fazem refletir sobre o jornalismo cultural feito no Brasil.
A primeira diz respeito à relevância da obra: ora, se o livro é tão ruim assim, então por que dar a ele duas páginas na Ilustrada? A resposta talvez seja óbvia: porque o novo livro do Jô Soares é vendável. Certamente ocupará a lista de mais vendidos da Veja por um bom tempo. A tiragem fala por si só: 80 mil exemplares é algo estrondoso, em termos de Brasil. E aqui temos outro ponto: por aqui, um livro vale mais pelo prestígio do autor do que pelas suas “qualidades literárias”. No final, vale mais quem escreveu do que o que foi escrito. Não é tanto As Esganadas que está em questão, mas o “novo livro do Jô”. Na matéria, isso ficou claro: o assunto central era o autor, não a obra.
Como o livro deveria ser
Aliás, qualquer livro de Xuxa ou de Ana Maria Braga teria preferência nas “resenhas” dos cadernos de cultura a um livro de Machado de Assis ou de Clarice Lispector. Para ganhar matéria, o autor não tem apenas que escrever um livro; precisa fazer sucesso, ser conhecido, ser famoso, ser people. De preferência, ter um programa de TV. Em outras palavras: os critérios de seleção para se ganhar uma resenha no nosso jornalismo cultural são fortemente extra-artísticos. Nem todas as nossas páginas de cultura são assim; “apenas” a maioria. Os cadernos culturais poderiam se deter sobre esta reflexão.
Depois veio a crítica. Classificou o livro como ruim. Nada contra. Afinal, é uma opinião dele. Mas tem umas coisas interessantes. A primeira foi o autor reclamar que o livro explicava tudo. Ele até fez uma piada na resenha, afirmando que Jô fazia isso para que o “leitor não tivesse o trabalho de usar o Google para dirimir suas eventuais dúvidas”. Uma piada engraçada, diga-se de passagem. O que me deixa com um pé atrás é o porquê de um romance não poder ser “bem explicadinho”. Se o livro é uma “investigação policial”,me parece óbvio o porquê do autor escrevê-lo como se estivesse escrevendo um “inquérito policial”. Todo inquérito é didático, certo?
Boa parte das críticas ao novo livro do Jô reclama dos excessos. Não consigo ver isso necessariamente como um defeito. É uma opinião pessoal, lógico. O problema desse tipo de crítica é que, a meu ver, ela parte para um pedantismo esquisito baseada no dever ser. O livro deveria ser assim, os romances policiais deveriam ser assado. Na crítica em questão, o professor diz que “o mínimo que se espera de romance policial é que ele prenda o interesse”. Mas quem estabeleceu essa regra? O autor também reclamou que o criminoso é conhecido desde o início da trama. Por isso, o leitor jogaria “apenas” com a expectativa de como ele será desmascarado. Por que o criminoso deveria ser conhecido apenas no final? Estou vendo a questão como leigo e o resenhista é professor de literatura da USP. De qualquer forma, acho estranhos esses tipos de critérios na avaliação de um romance. Não estou dizendo que o novo livro do Jô é uma maravilha. Pelos trechos que li, não é. Ou melhor, não gostei. Mas que é esquisito afirmar como deveria ser, isso é.
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[Bruno Ribeiro Nascimento é graduado em Comunicação Social, João Pessoa, PB]