Um dos fundadores da “American Writers Against the Vietnam War”, organização pacifista surgida em meados da década de 1960, o escritor estadunidense Robert Bly (nascido em 1926) é autor de dezenas de livros, sobretudo de poesia. Além de escritos próprios, traduziu obras de outros autores, incluindo poemas de Antonio Machado (1875-1939), Rainer Maria Rilke (1875-1926) e Pablo Neruda (1904-1973).
O universo literário de Bly, autor amplamente reconhecido e premiado em seu país (ver matéria “Robert Bly to receive Poetry Society of America’s Frost Medal”, de Alison Flood, publicada no The Guardian em 13/2/2013), é, no entanto, relativamente estranho aos leitores brasileiros. Afinal, com exceção de João de Ferro: Um livro sobre homens (Campus, 1991), talvez o seu maior sucesso comercial, nenhuma outra obra sua parece ter sido publicada por aqui. (Na Wikipedia , por exemplo, não há sequer uma versão correspondente em português para o verbete “Robert Bly” – ao menos não havia até o dia 26/12.)
Em 1967, Bly publicou The light around the body (Harper & Row), seu segundo livro de poesia, vencedor do National Book Award daquele ano. Um dos poemas incluídos nesse livro é Counting small-boned bodies, cuja versão original é a seguinte:
Counting small-boned bodies
Robert Bly
Let’s count the bodies over again.
If we could only make the bodies smaller,
The size of skulls,
We could make a whole plain white with skulls in the moonlight!
If we could only make the bodies smaller,
Maybe we could get
A whole year’s kill in front of us on a desk!
If we could only make the bodies smaller,
We could fit
A body into a finger-ring, for a keepsake forever.
Versão em português
Ainda que o livro como um todo permaneça sem tradução, acabo de descobrir que o poema acima tem ao menos uma versão em português. Estou me referindo aqui à versão que apareceu no livro Solos do silêncio (Geração Editorial, 2002, 3ª edição; a 1ª edição é de 1996), do jornalista e poeta José Nêumanne Pinto (nascido em 1951).
Eis a tradução de José Nêumanne (2002, p. 267):
Contando corpos de ossos pequenos
Robert Bly
“Vamos contar os corpos uma vez mais.
Só se pudéssemos tornar menores os corpos,
Do tamanho das caveiras,
Poderíamos fazer uma planície inteira com caveiras ao luar!
Só se pudéssemos tornar menores os corpos,
Talvez pudéssemos conseguir
O extermínio de um ano inteiro na mesa em frente a nós!
Só se pudéssemos tornar menores os corpos,
Poderíamos colocar
Um corpo numa aliança, uma lembrança para sempre.”
Gostei muito do poema de Bly. Foi um achado e tanto – o verso repetido e as sucessivas “escalas de tamanho” em relação às quais os corpos são comparados (no original, a whole plain, v. 4; a desk, v. 7; a finger-ring, v. 10) têm um efeito surpreendente.
Uma nova proposta de tradução
Ocorre que a tradução acima é um tanto problemática. (Desconheço se existem outras versões em português.) Certas escolhas do tradutor alteraram ou mesmo subverteram o significado original de alguns versos.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no verso 4. No original, a palavra white é usada para qualificar o aspecto geral da paisagem (a whole plain). Na versão em português, a qualificação desapareceu, reduzindo o impacto do verso e comprometendo a compreensão do poema. Um segundo exemplo pode ser encontrado no verso que inicia os tercetos (linhas 2, 5 e 8). No original, o uso da expressão If we could only… evoca (cinicamente) uma necessidade um tanto difusa (Se ao menos…), não uma precondição imperativa (Só se…), como dá a entender a versão em português.
Em ambos os casos, portanto, penso que a tradução não corresponderia muito bem ao original. Tentando contornar esses problemas, elaborei uma nova versão. Eis a minha proposta:
Contando corpos de ossos pequenos
Robert Bly
“Vamos contar os corpos mais uma vez.
Se pudéssemos ao menos tornar os corpos menores,
Do tamanho de crânios,
Poderíamos branquear uma planície inteira com crânios ao luar!
Se pudéssemos ao menos tornar os corpos menores,
Talvez pudéssemos colocar
A matança de um ano inteiro sobre uma escrivaninha diante de nós!
Se pudéssemos ao menos tornar os corpos menores,
Poderíamos encaixar
Um corpo em um anel, como uma eterna recordação.”
Espero apenas e tão somente que esta nova versão não contradiga a minha impressão: o poema de Bly é – ouso dizer – um grande poema.
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F. Ponce de León, idealizador e responsável pelo blogue “Poesia contra a guerra”, acaba de lançar o livro Poesia contra a guerra (2015)