Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A reportagem em áreas conflituosas nas metrópoles

[do release da editora]

Acompanhar tiroteios entre policiais e traficantes nas favelas; livrar-se de enchentes para trazer relatos consistentes sobre o drama da cidade alagada; ver de perto a crise habitacional; acompanhar tumultos nas ruas da cidade; investigar crimes hediondos e chacinas de deserdados; descobrir e analisar falcatruas dos três Poderes; tomar depoimentos de pessoas emocionalmente vulneráveis e atuar em alguns casos como se fosse uma tropa de choque são tarefas banais para os repórteres e fotógrafos que trabalham na editoria de Cidade dos grandes veículos de comunicação do país.

Esse ambiente envolvente do trabalho dos repórteres pode ser encontrado agora no novo livro do jornalista Carlos Nobre, Direto do Front: A cobertura jornalística de ações policiais em favelas do Rio de Janeiro.

Nobre é professor de Metodologias/Técnicas de Reportagem, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e a obra é resultante da análise que fez do que chama de “jornalismo urbano”, em que os repórteres são atingidos diariamente pela imprevisibilidade da notícia nas metrópoles; vão para as ruas apurar fatos que tendem a fugir do controle da redação.

É uma das características mais marcantes da editoria de Cidade que Nobre neste livro apresenta para os leitores: ele analisa como trabalha uma editoria que tem muitas atribuições geográficas e políticas no cotidiano de uma metrópole e que em nenhum momento do ano para de funcionar.

Condições ideais e condições adversas

Para dar mais sustentação à tese de um jornalismo urbano, o autor mergulha em diversos ambientes jornalísticos como se quisesse envolver as culturas jornalísticas na ação de reportagem. Por essa perspectiva, é possível encontrar no texto do prefaciador da obra, o renomado jornalista Telmo Wambier (ex-editor O Globo, Jornal do Brasil, Estado de S. Paulo, e TV Globo), elementos interessantes a respeito das diversas linhas metodológicas adotadas pelo autor para escrever sua obra, da Editora Multifoco.

O que diz Wambier, em relação à obra de Nobre:

“Um mesmo livro pode ter significados diferentes para diferentes leitores. Direto do front, do professor Carlos Nobre, pode ser lido de várias perspectivas: como um relato histórico do fazer jornalístico dos anos 1980/1990, como uma análise crítica da forma como a grande imprensa traduz a metrópole partida, ou, até mesmo, como um ensaio sociológico sobre as relações da imprensa com o poder e com os excluídos. Em cada leitor uma mesma obra bate de diferentes formas, a depender das experiências vividas e do interesse pessoal pelo assunto tratado. Um autor, depois de lançado o livro, perde o controle sobre o seu significado, já que para cada um a obra é seu autor mais o que o leitor acrescenta como experiência e memória.”

Um dos momentos mais interessantes da obra é quando Nobre aborda conceitualmente a apuração como fundamento da reportagem. Neste caso, Nobre vê dois momentos antagônicos no trabalho de verificação e análise de dados pelos repórteres, ou seja, a apuração em condições ideais e a apuração em condições adversas. Em cada momento destes dois modelos de apuração, o repórter terá que se desdobrar de forma diferenciada, analisa o autor.

“Apuração ou reportagem investigativa”

O autor, por conseguinte, diz que a cobertura adversa é característica implícita da Cidade, é seu alimento natural, vitaminado pela imprevisibilidade das ocorrências do cotidiano de uma metrópole que a editoria de Cidade tem o prazer de acomodar em seus braços como se fosse um grande presente. Se não for assim, inexiste jornalismo ou reportagem de Cidade, diz o autor de Direto do front.

Daí, então, em muitos casos, vemos o repórter cobrindo certos assuntos (crime, enchentes, tiroteios, tumultos etc.) “meio vendido” na história, isto é, sem saber exatamente como poderá se comportar no front da notícia imprevista que contraditoriamente tem grande significado para os leitores do jornal no dia seguinte à sua publicação.

Neste sentido, Nobre acrescenta outro dado que faz parte da psique dos repórteres que trabalham nesta editoria: a insubstituível sensação de insegurança quanto à capacidade de conseguir apurar a matéria com certa precisão em virtude do alto grau de mudanças de comportamentos e de atitudes das fontes em relação ao fato que está sendo apurado.

O autor também não deixa de abordar o chamado jornalismo investigativo que ele prefere, em muitos casos, chamar de “apuração ou reportagem investigativa”. Aqui, Nobre, ao invés de teorizar sobre este assunto, seleciona alguns métodos de trabalho do jornalismo investigativo e faz uma análise técnico-sociológica a respeito de cada uma deles, a fim de que os leitores possam ter uma noção da complexidade do trabalho jornalístico.

Hoje, a cobertura é mais planejada

Aliás, lendo o livro de Nobre caem por terra certas visões segundo as quais o trabalho jornalístico é simplista. Nobre mostra que os antigos e novos instrumentos de apuração tendem a convergir, hoje, em função do alto desenvolvimento tecnológico via internet, produzindo, assim, imersões do repórter pelo mundo de diversos tipos de visões sobre a “notícia” e a “verdade”.

Na verdade, segundo o autor, hoje existe uma proliferação de “verdades”, e eis um interessante desafio para o repórter : não estabelecer pontos de partidas ou verdades únicas nas pautas, pois, no atual momento, não existe mais isso em função de um novo tempo, de uma nova época, onde métodos de trabalho mudam com impressionante rapidez.

Uma das mais importantes avaliações do livro é o ultimo capítulo, chamado “Direto do front”, que se tornou nome da obra, onde o autor se detém em revelar como começaram as coberturas jornalísticas das ações policiais em favelas do Rio de Janeiro (envolvendo mais 100 homens super-armados, tendo que enfrentar número idêntico de traficantes/armas).

Nobre mostra, aqui, um certo heroísmo do repórter de Cidade dos anos 1980 quando este tipo de cobertura começou no Rio de Janeiro. O repórter daquela época cobria essas ações de forma improvisada. Hoje, não. A cobertura é mais planejada. Ou seja, o repórter que trabalha neste tipo de cobertura faz cursos em tropas especiais da América Latina, usa colete à prova de balas e sabe se deslocar como um integrante de uma tropa de elite pelo terreno acidentado das favelas cariocas durante os conflitos.

O autor

Carlos Nobre é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e professor de Jornalismo da mesma universidade. Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes (Ucam). Como jornalista, conquistou seis prêmios, sendo dois Esso. Trabalhou em todos os grandes jornais brasileiros. Suas especialidades acadêmicas são direitos humanos, criminalidade, relações raciais, instituições coercitivas e culturas populares urbanas. Publicou cinco livros, entre eles, Mães de Acari: uma história de luta contra a impunidade (Relume-Dumará, RJ, 1994), Mães de Acari: uma história de protagonismo social (Pallas-PUC-Rio, RJ, 2005) e Que cidadania queremos? Ensaios sobre cidadania e exclusão (Sempre Livre, RJ, 2003), em conjunto com outros autores, e O negro na Polícia Militar: cor, crime e carreira (Multifoco, RJ, 2010).