Com o derrame diário de escritores no mercado, a faculdade de Letras se transformou numa espécie de cartório que autentica a ambição dos neófitos, funciona como se fosse um curso de Direito linguístico para jovens e adultos que ignoram o fato de que ali nada há relevante para se assimilar sobre o ato de escrever ou mesmo sobre as sutilezas marginais do idioma. Letras, em muitas instituições, praticamente, é um curso técnico sobre línguas e literatura. Ao concluir a jornada acadêmica, receberão um triste diploma de burocratas, castiços que terão como destino imediato o magistério. Enlutados na beca negra, assassinaram a própria criatividade com uma dose fatal de arsênico. Li um artigo do crítico e jornalista José Castello classificando Letras como a última opção para alguém que deseja escrever, eu concordo. Hoje, se formos separar o joio do trigo, constataremos que a maioria dos que se anunciam como autores não passam de corvos obcecados por rankings editoriais, em busca da fama e do panteão dos best-sellers.
Porém, o que o curso de Letras tem a ver com o trabalho do Diego Moraes? Nada. Letras é a tabuada e Diego é a subversão do vernáculo. Ele integra uma geração que encontrou na literatura a expressão passional, usando a vantagem tecnológica do novo século para abrir os próprios caminhos.
Twitter, Facebook e todas as ferramentas das Redes Sociais servem como outdoors para poemas, prosa poética e aforismos. Impactam. Não é incomum observarmos escritores consagrados, como Fernando Morais, curtindo pelo Face os posts do destemido Diego. Como autor, ele está em construção, exercitando a tenacidade num reality show que a Internet nos permite observar ao vivo. Às vezes, é possível compará-lo a um Schopenhauer acordando de bom humor. Tal qual o velho filósofo, Diego desconstrói hipocrisias e ilusões que são fabricadas para sabotar a liberdade em nome da virtude. Aparentemente, assume uma postura apolítica, mas sua verve carrega um engajamento espontâneo, está sintonizada com a realidade. Não é banal, há uma obsessão em domar a selvageria feroz do pensamento pela escrita.
“Quando você descobrir que Deus é ironia, sua dor vira piada”
Fiz incursões atentas em 3 dos seus livros, a seguir:
“A fotografia do meu antigo amor dançando tango” (Editora Bartlebee); “Um bar fecha dentro da gente” (Editora Douda Correria) editora de Lisboa/Portugal; e “Eu já fui aquele cara que comprava vinte fichas e falava Eu te amo no orelhão” (Editora Corsário-Satã).
Chamam-no de poeta, talvez porque poeta sejam aqueles indivíduos indefiníveis, pairando em nebulosas que estremecem nas explosões cósmicas.
“Poeta é o cara que junta silêncios e grava um disco mudo. ”
Generoso, enquanto estrutura o seu trabalho, Diego também abre portas e compartilha espaço com outros autores. É um dos criadores da Flipobre, conferência de escritores, com transmissão em tempo real, que faz sucesso entre os que buscam se firmar na constelação literária. Um evento alternativo aos clubes privês que chamam de feiras literárias, onde a participação não segue um critério transparente nem democrático.
Diego já foi matéria em grandes jornais, como o Estadão, onde costumam destacar uma desventurosa passagem por São Paulo e seu contato involuntário com o submundo das ruas, do abandono e das drogas. Elementos externos que trazem muito mais responsabilidade ao artista, pois são rótulos que podem limitá-lo a uma caricatura de si mesmo ou torná-lo mito, como foi Rimbaud, Van Gogh, Hemingway, etc. Ser maldito não é chancela à genialidade, ser genial ao reinterpretar valores é que faz o maldito perpetuar a sua arte. Por isso, sempre considero injusto quando alçam a biografia acima de qualquer produção autoral, pois afogam a obra na história do indivíduo que a criou. Como é um apreciador da autoficção, de John Fante e Bukowski, tenho certeza que Diego Moraes sabe os traçar os caminhos que percorre.
No Brasil, talvez no mundo, instalou-se um fenômeno querendo atestar que só após escrever um romance o autor confirma o seu talento. Temos notícias de que Diego Moraes está elaborando o seu primeiro romance, a ser publicado pela editora Record. Quem o acompanha, sabe que não será uma narrativa mais longa que validará o seu estilo em crescente aprimoramento, consolidado na prática e no afinamento diário. No entanto, a investida não o desqualificará e será interessante ver um maestro do vocábulo enxuto, das frases afiadas, dos versos concentrados e corrosivos, se derramar na verbosidade romanesca.
“Silêncio de passarinho morto aqui na minha rua. ”
Diego é manauara, sem nenhum vínculo com o consagrado Milton Hatoum, além daquele de possuir a capacidade de deslocar os nossos olhos das cansativas regiões Sul e Sudeste, para nos lançar nas extremas e enigmáticas fronteiras amazônicas. Manaus emerge sem ufanismos exagerados, é apenas um cenário ao fundo, tão pesado como outras capitais, mas sem potência de protagonista em seus livros.
Urso é o seu apelido, seu personagem. E como um urso, Diego se agarra a literatura com a força de um náufrago que precisa daquele pedaço de tronco para sobreviver às ruínas do cotidiano; ele a abraça tentando não a sufocar, porque ali estão seus pulmões, seu coração. Nas sarjetas de São Paulo, ele esbarrou com o demônio, a quem se recusou entregar a alma. Na literatura, encontrou a redenção e se tornou apóstolo. Com Diego, aprendo que terminar de compor um texto é tomar a última dose num bar que fecha dentro da gente.
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Alexandre Coslei é jornalista e escritor