Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A vida nada fácil de um correspondente internacional

Com mais de 20 anos de trabalho no exterior, li, enfim, um livro brasileiro sobre correspondente internacional. E o resultado é muito bom. Carlos Eduardo Lins da Silva, autor de Correspondente Internacional, agora publicado, sabe perfeitamente do que fala. Foi correspondente nos EUA por três vezes, pela Folha de S.Paulo. É profundo conhecedor das relações internacionais. No livro, mistura literatura teórica com sua experiência, passando pela história, tipicidades, relevância, exigências de quem relata, a partir do exterior, as multitarefas, influências do país de origem, a hierarquização na tribo dos correspondentes, a camaradagem e a competição.

O livro de Carlos Eduardo, ex-diretor adjunto do Valor, desmonta o que pode restar da imagem glamourosa e romântica da figura do correspondente – trabalhador solitário, um generalista que passa de futebol a reunião de presidentes de bancos centrais, numa rotina e fuso horário com frequência massacrantes. Carlos Eduardo ilustra com as horas sob neve, chuva, sol ou luar na porta da embaixada brasileira em Washington, esperando Lady Di, hospedada pela então embaixatriz Lucia Flecha de Lima, sair para compras. Ou o plantão na porta do FMI, aguardando o ministro da Fazenda da época.

Isso é tudo muito familiar. Recordo de uma cobertura especialmente penosa, no Banco para Compensações Internacionais (BIS), em Basileia (Suíça), durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Jornalistas brasileiros faziam plantão desde a manhã até a noite, num frio cortante, esperando o presidente do Banco Central, Gustavo Franco. Quando ele, enfim, saiu, seu único comentário foi: “Os baianos ainda estão aí?” E deu as costas. Reali Júnior, nosso querido colega, de tão boas recordações, soltou as baterias contra Franco.

Notícia exclusiva dura alguns minutos

Para correspondentes brasileiros, muita coisa mudou. Antes, era complicado conseguir até credencial para cobrir grandes eventos internacionais. Hoje, com o país no G-20, o acesso é facilitado. Na primeira cúpula do G-20, em Londres, há uns três anos, os principais jornais brasileiros anteciparam em manchete o pacote de US$ 1,1 trilhão que seria anunciado pelo britânico Gordon Brown no dia seguinte. Isso porque Guido Mantega, principal negociador brasileiro, ao ser indagado diante do presidente Lula, abriu a pasta e revelou o montante na véspera.

A rede de contatos precisa ser realmente globalizada. Um texto sobre comércio, por exemplo, com frequência deve ser complementado com telefonemas para Genebra, Washington, Bruxelas, Brasília. Até a duração do furo é outra. Uma notícia exclusiva dura alguns minutos. Com a internet, logo depois estará sendo reproduzida.

Sem glória ou charme

Carlos Eduardo menciona o “vampirismo”, hábito do correspondente que se “inspira” em informações da mídia local. Na verdade, com a internet, isso virou uma praga em alguns lugares. Leva ao que a ombudsman de El País, de Madri, chama de “periodismo de refrito y composición”. Mas quem continuar nessa via acabará condenado pelos leitores, cada vez mais atentos.

Ao mesmo tempo, tornou-se frequente, na imprensa brasileira, a figura do enviado especial quase permanente. É o caso de Clóvis Rossi, um dos mais brilhantes, competentes e respeitados em todo lugar.

Relatos de agências internacionais nunca vão substituir os correspondentes, para identificar melhor e com nuanças o que interessa ao público nacional. Sem glória ou charme, mesmo assim o número de correspondentes internacionais tende a aumentar, na medida em que o país procura ampliar sua influência na governança global e a sociedade demanda mais informação externa. O livro de Carlos Eduardo mostra isso e aponta os desafios.