Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A voz preconceituosa na web

No final da década de 1950, em um texto chamado ‘Classroom without walls’, Marshall McLuhan, um dos nomes mais conhecidos da comunicação, previu que, ‘no futuro, uma rede mundial de computadores deixará qualquer informação disponível para os estudantes’. A previsão, que rendeu acusações de delírio ao teórico canadense, já se faz realidade e torna a rede um portal quase mágico a uma quantidade inesgotável de conhecimentos que todos os alunos têm (ou deveriam ter) à disposição.

A internet, enquanto ferramenta de comunicação e informação, é, sem dúvida, uma das maiores revoluções tecnológicas da história da humanidade. Facilitou pesquisas, criou o que alguns chamam de ‘São Google’, possibilitou trocas de informações instantâneas, entretenimento e, principalmente, criou uma alternativa ao modelo onde ‘poucos emissores falavam para muitos receptores’.

Essa nova possibilidade de se tornar um emissor sem necessariamente ser um jornalista e atuar em um veículo de comunicação, possibilitou à internet, por meio das redes sociais, ser uma boa opção de voz democrática. Ao contrário da grande imprensa, onde constantemente há acusações de não haver espaço para outras vozes que não a dominante dos grandes (e poucos) conglomerados de mídia, na internet, independentemente da opção partidária, formação intelectual ou preferências sociais, qualquer pessoa alfabetizada e com acesso à rede (hoje largamente facilitado pela proliferação das lan houses), pode, por meio das redes sociais, falar e encontrar eco de outros que concordem ou discordem de suas posições.

A voz preconceituosa

No entanto, esse fato, essencialmente positivo para a consolidação de um processo democrático de comunicação (pelo menos na rede), possibilita também ouvirmos o grito de vozes altamente preconceituosas, em situações que (por favor, peço que ponderem o uso do termo) chegam a lembrar discursos fascistas de discriminação racial, social ou étnico.

Além da grande propagação de boatos – motivo central da crítica que o filósofo francês Dominique Wolton faz à internet –, vista principalmente durante o período eleitoral de 2010, após a vitória da candidata Dilma Rousseff, houve um genocídio intelectual contra os nordestinos.

Refiro-me a situações absurdas de preconceito e estupidez gritadas por pessoas que se julgam ser a elite educada do país e acusam os nordestinos de coisas que nem valem a pena citar neste texto. Sobre essa voz preconceituosa, que não foi criada, mas sim, reverberada pela internet, devemos refletir o quanto é possível a pessoas, muitas vezes com bom nível de instrução escolar, usar o meio para propagar o ódio a determinados grupos de pessoas.

Para o bem ou para o mal

Além disso, vale ressaltar o perigo das falsas deduções e dos cuidados que temos que ter em concluir. Toda essa gritaria preconceituosa que vimos na rede partiu, além, claro, de ideais já compartilhados, da interpretação de um dado recebido de forma bruta: ‘Dilma ganhou as eleições e onde somou maior diferença foi no Nordeste, região que abriga alguns dos estados menos favorecidos da nação’. O que poucos dos ‘revoltados’ se preocuparam em verificar – não que isso justifique a revolta – é que o Nordeste não decidiu a eleição, apenas ajudou a aumentar a diferença.

No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, preconceito é atestado de burrice. Somos um povo misturado. Afinal, quem é o brasileiro puro? Ou quem é o mais ignorante, se alguns ‘instruídos’ pelas universidades se mostram ignorantes no respeito às diferenças e na análise e interpretação de dados?

Nascido e criado na região Sudeste, devo dizer que tenho vergonha da fama de preconceituosos e ignorantes que alguns poucos (pois tenho certeza que se trata de uma minoria) estão espalhando sobre nós nas redes sociais. Dessa vez, a internet mostrou seu lado negativo. Por sorte, podemos usar desse mesmo recurso para refletir e mostrar nossas opiniões contra qualquer tipo de preconceito burro.

Como toda inovação, a internet pode ser usada para o bem ou para o mal. O perigo, neste caso, é que não é possível evitar que ela ‘caia em mãos erradas’, pois a ferramenta está acessível, de uma forma ou de outra, a quase todos.

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Jornalista e mestrando em Jornalismo, São Paulo, SP