O uso que se fez da TV nas duas guerras do Golfo é realmente apavorante. As ‘belas’ cenas de bombardeio e uma absoluta ausência de sangue conseguiram convencer o público que a guerra é como um videogame. Não é, não! Cada bomba que vimos explodir num ataque norte-americano ao Iraque, Sérvia ou Afeganistão, causou dezenas, centenas, milhares, dezenas de milhares de mortos e mutilados. Nenhuma guerra foi limpa. Nenhum conflito armado é ou será lindo. Toda guerra produz vítimas inocentes, além do odor nauseabundo de cadáveres insepultos. Na tranquilidade de nossos lares, não lamentamos pelas vítimas dos bombardeios norte-americanos. Ficamos hipnotizados pela ‘beleza asseada e ilusória’ das imagens feitas pelas próprias bombas e que lembram um videogame.
Contudo, se aquelas mesmas bombas estivessem caindo em nossas cabeças e o espetáculo estivesse sendo assistido em outro país, certamente nossa perspectiva da guerra seria outra. Neste particular, a crítica do uso da TV pelos senhores da guerra é essencial e foi feita de maneira competente por Arbex.
‘A televisão é um polo ativo do processo de seleção e divulgação das notícias e também dos comentários e interpretações que delas são feitas. Ela não é mera `observadora´ ou `repórter´: tem o poder de interferir nos acontecimentos. O tele-noticiário diário adquiriu o estatuto de uma peça política, cuja lógica é determinada pelas relações de cada veículo de mídia com o sistema político, financeiro e econômico do país ou região em que ele se encontra.’
Show de amnésia e memória
A afirmação supra é especialmente verdadeira se considerarmos a cobertura das guerras norte-americanas. Preocupadas em difundir a ‘beleza asseada e ilusória’ das imagens produzidas sob medida pelos militares e as opiniões dos especialistas (eufemismo para militares), as redes de TV endossaram a matança indiscriminada de velhos, mulheres e crianças. Raramente alguém na TV fez qualquer objeção à rígida censura jornalística imposta pelos norte-americanos ou fez a crítica da estética nazista.
Na primeira parte, o autor trata ainda do indivíduo na era do clichê, do show de amnésia e memória, de como a televisão contamina a cultura e da ilusão ‘do fato como ele aconteceu’. Na segunda parte, o autor faz uma retrospectiva de sua rica experiência como jornalista da Folha de S.Paulo. Mas não vou estragar as agradáveis surpresas que a obra proporciona ao leitor. Encerro aqui esta resenha de Showrnalismo, livro que vale cada centavo de seu preço.
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Publicitário e defensor no Direito Humano à Comunicação