O livro Deus, um delírio, de Richard Dawkins (Companhia das Letras), que se define como um biólogo evolutivo, está vendendo bem no mundo e no Brasil. O livro denuncia a fé em Deus como uma falsa crença que, ao longo dos séculos, ainda resiste à razão e à confrontação honesta com a realidade. Crença ilusória, perigosa, um atraso civilizacional, atraso de vida.
Vários comentários na mídia sobre o livro destacam a sagacidade e fereza do autor britânico. Herton Escobar, por exemplo, o definiu como ‘debatedor de lucidez espantosa, pragmatismo ferrenho e espiritualidade zero’ (Estado de S.Paulo, 12/08/2007). Espiritualidade zero, ou seja, a falta como virtude, tal como a Coca-cola zero…
Quase duas semanas depois, em 25 de agosto, na Folha de S.Paulo, Marcelo Leite analisa brevemente o livro do ‘ultradarwinista’, qualificação que confere ao cientista menos ponderação do que se esperaria. O prefixo ‘ultra’, entre outras possibilidades, indica exagero… e tudo o que é exagerado, diz o povão, faz mal. Se o ‘ultracatólico’ é excessivamente católico, e o ‘ultraconservador’ extremamente conservador, Dawkins talvez cometa o pecado de querer explicar tudo pela ótica da seleção natural. Marcelo Leite conclui seu artigo referindo-se ironicamente ao ‘ultradarwinismo chique’.
Menos proselitismo
O xará de Marcelo Leite, Marcelo Coelho, no mesmo dia 25, e na mesma Folha, queixa-se da ‘exasperação’ e da ‘precipitação’ de Dawkins. O livro, que tinha tudo para agradar os ateus, pode afastá-los, gerar antipatia. Os que concordavam com o ponto de vista do autor, em protesto, vão acabar procurando o Jesus de Nazaré de Bento XVI, para contrabalançar.
Ainda na Folha e ainda naquele dia 25, Claudio Angelo, editor de ciência, escreve um artigo simultaneamente crítico e elogioso ao ‘zoólogo britânico’. Dawkins é pedante e intelectualmente corajoso, intolerante e brilhante. Dawkins, um delírio…
Em seu blog, Daniel Piza, defendendo um agnosticismo sereno, incomoda-se com o tom combativo do polemista: ‘Há algo tolo em quem critica o fundamentalismo com o mesmo dedo em riste e a mesma pregação exaltada daqueles que acusa.’ (20/08/2007)
A revista Superinteressante insiste nessa idéia: ‘O aiatolá dos ateus’ é o título da matéria que apresenta Dawkins como líder de uma cruzada contra Deus. E faz menção a um dos seus críticos, o nada religioso físico Marcelo Gleiser.
Ao que parece, Dawkins terá que ser menos proselitista para convencer-nos a aderir a seu credo…
******
Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br