Agem de forma errada os veículos de comunicação – em especial a grande imprensa nacional e internacional – que, abordando a atual questão envolvendo os EUA e a Rússia no que diz respeito às bases norte-americanas a serem instaladas na Europa, o fazem salientando apenas as declarações controversas de Vladimir Putin.
Limitando o assunto, os veículos de imprensa perdem uma grande oportunidade de investigação sobre a questão armamentista norte-americana e os reais desejos de segurança e paz apregoados pelo governo Bush.
Jornais como o Herald Tribune, El País, New York Times, USA Today, Der Spiegel, Financial Times e os principais brasileiros, como a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, sem contar os noticiários televisivos e mesmo as principais agências de notícias na internet, foram incapazes de analisar e aprofundar-se nas diversas pautas envolvendo a notícia.
O leitor é levado a crer que, nesta questão, o governo russo é totalmente errado e antidemocrático, a ponto de sugerir uma Guerra Fria, termo, aliás, que foi ressuscitado somente pela imprensa, pois em nenhum momento Putin disse ou sugeriu a expressão.
Por que o escudo?
Além disso, o leitor menos atento tende a interpretar que as bases norte-americanas são algo bom e necessário para o mundo. Em nenhum momento há, por parte da imprensa, um questionamento sobre a finalidade e operação destas bases que iriam abrigar, dentre outras coisas, mísseis de alta potência.
A imprensa deveria debruçar-se em saber, entre outras coisas, qual a posição da ONU frente à questão desta ‘expansão armamentista’ norte-americana, sabendo de todos os fracassos no Oriente Médio. Qual a posição da Otan? E do Conselho de Segurança da ONU?
Perguntas igualmente sem respostas dizem respeito ao Irã e Coréia do Norte, pois as bases seriam destinadas a interceptar mísseis provenientes destes países. O que diz o Irã sobre isso? E a Coréia? Por que a Europa é a favor da medida? Quais serão seus custos? Isso realmente é seguro, sendo que os EUA recusam-se a assinar tratados internacionais de desarmamento?
Há relatórios que garantem que o enriquecimento de urânio do Irã não será usado para questões bélicas. Igualmente um relatório da ONU comprova que o Iraque não possui arsenal atômico. Por que, então, o escudo de proteção norte-americano deve ser feito?
‘Leituras’ claras e transparentes
Segundo Condoleezza Rice, as bases serão feitas para interceptar mísseis destinados a países da Europa que mantém relações amigáveis com os EUA. Isso quer dizer que se mísseis tiverem como destino um país ‘não alinhado’, os EUA não vão intervir? Mas as bases não são para segurança mundial?
Estas são algumas das questões que os periódicos ignoram, centrando a questão apenas em Vladimir Putin, e assim acabam prejudicando enormemente não só a interpretação do leitor, mas toda a abordagem da questão que fica limitada a apenas um personagem. Tornando assim todo o noticiário internacional feito até agora o mais puro exemplo de amadorismo, chegando mesmo a ser um case de fins didáticos sobre como não se deve fazer um jornalismo.
É inadmissível que a imprensa mundial tenha uma atitude tão simplória, pois pode ser que, diferente do que divulga a assessoria norte-americana, essas bases venham a servir muito bem como bases militares e de lançamento de mísseis para alvos estratégicos. Dando aos EUA um poderio militar nunca antes obtido por uma única nação. Além disso, o discurso de Putin pode também ser totalmente oportunista e esconder interesses diversos do que os inflamados em sua retórica.
Porém, para que as ‘leituras’ não extrapolem o seu contexto (como diria Umberto Eco), é preciso que estejam bem claras e transparentes, senão podem aparecer tanto os anjos do Apocalipse anunciando os fins dos tempos e mesmo os diários ‘cangaceiros’ conclamando para a barbárie. Afinal, quando a ignorância e o amadorismo superam a inteligência e o profissionalismo tudo pode acontecer.
Infelizmente a grande imprensa como um todo está extremamente equivocada e todos perdemos com isso.
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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP