Apenas um pequeno traço horizontal, mas quanta dor de cabeça para revisores conscienciosos, jornalistas cuidadosos, escritores neuróticos… e para todos aqueles que gostam de colocar os pingos nos is e ainda prezam o ponto-e-vírgula!
Eduardo Martins, com a ajuda da coordenadora editorial Márcia Lígia Guidin, escreveu esse guia em que apresenta considerações sobre a lógica nem sempre lógica do traço-de-união. Segundo Dad Squarisi, a propósito, esse tracinho é castigo de Deus: ‘Deus pegou todos os hífens em uma mão, na outra tinha um mundo de prefixos e jogou tudo para o alto. Alguns prefixos pegaram hífen, outros não pegaram, palavras se juntaram sem querer e esse é o problema, tem que consultar o emprego do hífen na gramática ou dicionário’.
Aos olhos de muitos ‘usuários’ do idioma que não perdem o sono com questões ortográficas, eis a minudência mais desprezível. Para que gastar nosso precioso tempo com distinções arbitrárias que levam a escrever intrapulmonar sem hífen e intra-ocular com hífen? Não dá tudo na mesma?
Não, não dá na mesma. Por vezes, faz toda a diferença. Um ‘bom-dia’ é educada saudação, mesmo que de bom o dia nada tenha. Você não viverá necessariamente um bom dia só porque recebeu vinte ‘bons-dias’ ao acordar. Mas, cá entre nós, não é prazeroso distinguir alhos e bugalhos?
Ligar o desconfiômetro
E onde fica o respeito às normas? O estilo nelson-rodriguiano, muito longe do neo-escolástico, horrorizava os papas-hóstias… Não é fantástico salpicar os hífens com a segurança de quem faz o que deve fazer, à luz dos sagrados preceitos da norma culta?
No Brasil-Colônia não havia Bolsa-Família e os famosos recursos didático-pedagógicos, mesmo para os sem-terra, eram um deus-nos-acuda… O período não possui o menor sentido, mas os hífens corretamente usados lhe conferem certa credibilidade…
Hífen é um grande pormenor, capaz de provocar problemas gastrointelectuais naqueles que preferem escrever bem. Um franco-atirador, habituado a produzir textos à queima-roupa, talvez não esteja nem aí com este ínfimo tracinho, mas aqueles que não gostam de ficar em saia-justa sabem que o hífen não é uma coisa à-toa.
O oportuno trabalho de Eduardo Martins vale por si mesmo, certamente, mas sua efetiva utilidade, é bom frisar, dependerá do nosso desconfiômetro. Tal como o dicionário – pai dos inteligentes –, esse recém-publicado manual do hífen requer curiosidade, exige-nos a vontade de acertar, o eterno impulso da dúvida.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br