O ano era 1966, os militares davam ares de que não deixariam o poder tão cedo e o presidente era o marechal Castelo Branco. A repressão às manifestações contrárias às atitudes do governo era severa. Neste cenário, cerca de vinte ex-militares apoiados por Leonel Brizola – ainda exilado no Uruguai – e influenciados pela revolução cubana tentaram estabelecer a primeira guerrilha armada contra o governo.
Embrenhado na Serra do Caparaó, na divisa dos estados do Espírito Santo e Minas Gerais, o grupo foi reprimido pelo governo militar em abril do ano seguinte. Local de difícil acesso, condições climáticas muito adversas e dificuldade para convencer os camponeses locais a aderirem ao movimento, além das brigas e cisões internas no grupo foram fatores favoráveis à ação que capturou os militantes.
Episódio indigesto à direita da política brasileira e esquecido pelas aulas de história, a guerrilha do Caparaó é tema de documentário e livro. Caparaó, dirigido por Flavio Frederico, tem 77 minutos e ganhou o prêmio de melhor longa-metragem brasileiro no Festival ‘É Tudo Verdade 2006’. Já no livro Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura, o jornalista José Caldas da Costa transferiu para a escrita toda a intensidade que envolveu o episódio, seja ela das ideologias ou dos sentimentos. O trabalho lhe rendeu o prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo de 2007 na categoria Livro-Reportagem.
Busca pela fonte ideal
Lançado este ano pela editora Boitempo, Caparaó é baseado nos depoimentos de alguns dos principais envolvidos no episódio e em sua repressão. Além disso, a obra traz os resultados de uma densa pesquisa em arquivos de jornal e busca trazer à tona as motivações dos ex-militantes.
As entrevistas dos ex-guerrilheiros, escritores, jornalistas e de todos os envolvidos diretamente com a guerrilha são diretas, publicadas quase sem edição e intercaladas, causando por vezes desencontros. E esta é a chave da sua intensidade: transparecem a vaidade, a inocência, as saídas e as incoerências de cada um, justamente o que levou a resistência armada do Caparaó ao insucesso.
As quatro partes do livro reconstituem o movimento didaticamente. Primeiro, são apresentados os personagens, em pequenos perfis. A segunda parte explica a série de acontecimentos que desencadeou o golpe militar de 64, enquanto que a terceira discute os motivos que levaram a conspiração à guerrilha. Por fim, a prisão: os últimos capítulos reconstituem as experiências vividas na prisão, onde, inclusive, um dos combatentes morreu em circunstâncias até hoje misteriosas, e traz desde gravíssimas acusações a pesadas insinuações, de um ex-militante a outro. Há os que preferiram ser mais ponderados, como Paulo Schilling. E também está presente quem se recusou a conversar, como Leonel Brizola.
Com 331 páginas de um relato denso em informações, Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura se revela uma excelente reportagem, com tudo que o melhor do jornalismo deve ter: intensa busca pela fonte ideal (Costa localizou os personagens, hoje com idades entre 60 e 75 anos), linguagem atrativa e análise (por parte dos ex-militantes) da guerrilha da Serra do Caparaó 40 anos depois.
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Estudante de Jornalismo da UniBrasil, Curitiba, PR