Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Armênio, a militância de uma vida

O veteraníssimo jornalista, revolucionário e dirigente comunista Armênio Guedes esperou muito, mas valeu a pena: aos 91 anos, ainda em atividade (é redator da Imprensa Oficial de São Paulo), sua vida será contada em livro por Sandro Vaia, ex-diretor de Redação do Estado de S.Paulo e um dos melhores textos da imprensa brasileira.

Sandro dedica tempo integral às muitas horas de gravação que fez com Armênio e o trabalho se completará com os depoimentos de amigos e correligionários recolhidos pela jornalista Cláudia Izique. A Editora Barcarola ainda não marcou a data de lançamento do livro. 

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Alguns badalados biógrafos brasileiros escolheram celebridades para retratar; você escolhe Armênio Guedes, dirigente comunista de 91 anos, desconhecido do grande público. Por que a preferência? Eu nunca soube que você é comunista…

Sandro Vaia – Não sou comunista, embora tenha tido meus momentos, como todos nós, na tenra juventude, de aproximação com as idéias comunistas; quando elas pareciam generosas e a gente ainda não sabia quantos estragos tinham provocado e ainda viriam a provocar. A idéia de biografar Armênio foi da Lu Fernandes, dona da Editora Barcarolla, que me convenceu a conversar com ele, conhecê-lo e apreciá-lo como figura humana e um atípico militante comunista profissional, que apesar de ter passado cerca de 50 anos no partido andou quase todo o tempo na contramão da linha oficial.

Apesar da idade avançada, o jornalista Armênio Guedes sempre trabalhou duro e passou mais de 20 anos na Redação da Gazeta Mercantil. O recado que ele dará por intermédio do texto de Sandro Vaia é mais jornalístico ou político?

S.V. – Mais humano do que jornalístico ou político. Mas nas entrelinhas da biografia estará, eu creio, o conflito central da vida de um militante político de esquerda: como conciliar as ancestrais idéias de igualdade, de justiça, de fraternidade, com a prática da democracia? É possível conciliar a democracia como valor universal com a prática do socialismo?

O que um velho e discreto dirigente do Partidão tem para contar, além de sua vida pessoal talvez insossa demais para conquistar os leitores?

S.V. – No caso dele, que nunca esteve no primeiro plano da burocracia partidária, mas sempre foi influente nos bastidores, acho que o essencial é mostrar como foi que ele tentou justamente dar um ar democrático a um partido essencialmente antidemocrático. Ou seja: o que torna a vida dele interessante, como militante político, talvez seja essa dramática contradição fundamental, com a qual, eu acho, a consciência dele, como a de tantos milhares de pessoas, ainda se defronta.

A biografia reúne muitos depoimentos? Você seguiu por esse caminho ou se deteve apenas na matéria de memória do biografado?

S.V. – Os depoimentos, colhidos pela Cláudia Izique, serão diluídos ao longo do livro, na medida em que se tornarem importantes em determinados momentos históricos nos quais se encaixam.

Sabemos que Armênio condenou a luta armada contra a ditadura. Você vai explorar esse lado pacifista-estratégico?

S.V. – O PCB se opôs à luta armada, o que provocou controvérsias e dissidências. A posição de Armênio talvez tenha sido mais uma questão de consciência do que de estratégia.

O lançamento da obra será uma festa literária ou política? Vão convidar o Lula?

S.V. – Muito cedo pra falar sobre isso. O livro ainda não está pronto. De resto, quem vai organizar o lançamento é a editora. Por mim o Lula pode ficar onde está.

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Trecho

A primeira reunião da célula comunista da faculdade foi no bairro de Barris, no enorme casarão do século 19 da família de Edson Carneiro, que depois se tornou antropólogo famoso e escreveu vários livros sobre religiões negras na Bahia, e que era irmão de Nelson Carneiro, mais tarde deputado e senador por várias legislaturas, e que entrou para a História como o autor da lei que instituiu o divórcio no Brasil.

Entre os 20 presentes estava Sinval Palmeira, anos depois candidato do partido ao governo do Rio, avô do ator Marcos Palmeira. Naquela casa esculhambada e em desordem – a mãe de Carneiro tinha morrido havia pouco tempo – e onde as galinhas ciscavam nos pés dos comunistas, todos esperavam ansiosamente a chegada do instrutor, o camarada Estanislau, que na verdade se chamava Carlos Marighella.

Ele era um tipo estranho, fazia o gênero rebelde, raspava o cabelo só de um lado. Ensinou para a turma o que era uma célula, deu instruções sobre como fazer agitação e propaganda e como armar um suporte para pendurar a bandeira vermelha. A Armenio disse: ‘Tem tanto comuna na tua casa que você pode fazer uma célula só com a tua família’.

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Jornalista