‘Durante algum tempo, editei uma seção de muito sucesso na imprensa brasileira, o Perfil do Consumidor. Nela, celebridades revelavam o perfume, a pasta de dentes, a marca de sapatos que usavam. Escolhiam seu cantor preferido, elegiam o melhor ator da atualidade, o homem ou mulher mais sexy. Bem no finzinho do interrogatório ainda tinham que dizer qual o lugar mais estranho em que já tinham feito amor. Ficou célebre a resposta de Bussunda para este último item: ‘São Paulo’.
A leitura da seção se transformou numa verdadeira mania dos leitores e, principalmente, numa questão de honra para as celebridades daquela época e para os candidatos a celebridade. Não responder às perguntas do Perfil do Consumidor era o equivalente a não receber uma camiseta de camarote de cervejaria no carnaval, não estar na relação de VIPs das festas promovidas pelas operadoras de telefone celular ou não fazer parte da lista dos futuros convidados do casamento do Calainho.
Fazia-se de tudo para ter no jornal a resposta para a instigante pergunta ‘quem você levaria para uma ilha deserta?’. Houve a cantora de prestígio, que diziam que era sapatão, tão a fim de sair na seção que se dispunha a ser fotografada ao lado de sua coleção de sapatos. E a diretora de museu, que mais tarde seguiu carreira prestigiada na política cultural, que se ofereceu para revelar quais seus produtos de maquiagem prediletos. Mas, ao mesmo tempo, fazia questão de que ao questionário habitual fossem acrescentadas pergunta do tipo ‘livro predileto’, ‘filósofo de cabeceira’ ou ‘tese preferida’. Afinal, ela era uma intelectual. E o ator de besteirol que me perseguia nas estréias teatrais querendo saber por que eu achava que o leitor não estaria interessado no que ele consumia. Ele era original, garantia. Mais tarde, quando sucumbi a seus insistentes apelos para ser perfilado, descobriu-se que, como todo mundo, ele também usava a pasta Crest.
Ando pensando no Perfil do Consumidor desde que os anúncios de cerveja estrelados por Zeca Pagodinho chegaram à primeira página dos jornais. Houve uma semana em que a entrevistada do Perfil era uma jovem atriz de futuro (hoje, uma jovem atriz consagrada). Ela respondeu a todas as perguntas com disciplina e, no item sabonete, indicou outra unanimidade da seção: Clinique. Seção editada, mas jornal ainda não rodado, a jovem atriz telefona para minha casa de madrugada apavorada. Tinha acabado de assinar um contrato para estrelar comerciais de um sabonete. Não era o Clinique, claro. Era o sabonete das estrelas, aquele usado por nove entre dez estrelas de cinema. Se o perfil saísse com sua preferência pelo Clinique, o contrato milionário estaria ameaçado. Dava para trocar?
Deu. Mas fiquei grilado. Afinal, fútil ou não, o Perfil do Consumidor era um trabalho jornalístico. Tinha compromisso com a verdade. Se a atriz usava Clinique, se tinha revelado que este era seu sabonete, como é que eu topava trocar por outro para não complicar as relações comerciais da moça? Concluí que a marca de um sabonete não valia tanta discussão ética e fui cooptado sem culpa.
O Perfil do Consumidor não perguntava a marca de cerveja preferida de seus entrevistados. E não me lembro de Zeca Pagodinho ter sido entrevistado para a seção. Mas certamente o cantor seria uma confusão como perfilado.
Os chamados anúncios ‘testemunhais’ não dão trabalho para as agências de propaganda e costumam fazer sucesso. Exigem pouca criatividade e fazem o produto anunciado ser vendido. É o caso de Malu Mader anunciando marca de cigarro, Ana Paulo Arósio transmitindo sua preferência por uma operadora de telefone, Giselle Bündchen propagandeando um magazine popular (você consegue imaginar Giselle numa festa em Los Angeles vestindo uma roupinha da C&A? Pois é.). Que Zeca Pagodinho é ‘cervejeiro’, todo mundo sabe. Daí para uma marca contratá-lo como garoto-propaganda era só questão de tempo.
Mas, sinceramente, já que topa vender sua imagem para anunciar um produto, o artista tem que assumir a tal marca. Como a atriz do Perfil do Consumidor fez com o sabonete. Sei lá se Zeca Pagodinho prefere a Nova Schin ou a Brahma. Mas, a partir do momento que, por um alto cachê, ele topa usar sua imagem para vender a Schin, tem que fazer a Schin descer redondo. O que está em jogo aí é a capacidade de Zeca em convencer o consumidor. Quanto ela vale? Seu conhecimento de cerveja fez as vendas da Nova Schin crescerem. Mas trará algo de positivo para a Brahma além do escândalo nos jornais? Ainda dá para acreditar em Zeca quando ele fala de cerveja?
O único argumento que o cantor usou para justificar a quebra de contrato com a Schin e a troca de seu trabalho como garoto-propaganda para a marca concorrente foi o de que ele não agüentava mais beber escondido. Mas, peraí, alguém obrigou Zeca a assinar com a Schin? Se era tão difícil assim deixar de beber sua suposta cerveja favorita, por que ele topou experimentar a outra? Tudo leva a acreditar que foi um sacrifício bem pago e a traição mais bem paga ainda. Quanto valia a credibilidade de Zeca Pagodinho?
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No mais, é como costuma dizer a Solange do ‘BBB’:
– E o fim da meada!
Ou seria o fio da picada?’
Erica Ribeiro
‘Nova Schin responde à Brahma em comercial’, copyright O Globo, 17/03/04
‘Menos de uma semana depois de ver o antigo garoto-propaganda Zeca Pagodinho declarar seu amor pela concorrente no comercial ‘Amor de verão’, criado pela agência Africa, de Nizan Guanaes, o Grupo Schincariol e a agência Fischer America partiram para o contra-ataque com um comercial que sugere que o dinheiro pode falar mais alto que o amor.
O comercial da Fischer America, veiculado ontem à noite no intervalo do ‘Jornal Nacional’, da TV Globo, mostra uma conversa de bar onde um dos atores chama o colega de Zequinha e pergunta se ele mudaria de cerveja por 300 (não se refere se são dólares ou reais). O ator diz que não.
O colega de copo pergunta de novo se por US$ 1 milhão ele trocaria de cerveja e, mais uma vez, a resposta é negativa. Quando a oferta chega a US$ 3 milhões, além de responder que trocaria, o até então fiel consumidor diz que por tanto dinheiro faria qualquer coisa. ‘Eu digo que amo e dou até beijo na boca’, diz o ator. Ao fundo, em uma outra mesa, um sósia de Zeca Pagodinho tenta encorajar o colega a trocar de cerveja.
No cardápio do bar, o prato do dia é traíra, numa alusão à atitude do ex-garoto-propaganda. Na semana passada, a Africa surpreendeu ao veicular no horário nobre da TV um comercial em que Zeca Pagodinho, então garoto-propaganda da Nova Schin, diz que provou outro sabor, mas voltou para seu verdadeiro amor, a Brahma.
O grupo Schincariol e a Fischer America falam hoje, às 10h, em entrevista coletiva em São Paulo, sobre os fatos que envolveram Zeca Pagodinho (que ainda teria contrato com a Fischer para mais comerciais) e a Brahma. O encontro terá a presença dos principais executivos das duas empresas: Adriano Schincariol e Eduardo Fischer.
A guerra entre a AmBev e a Schincariol começou no ano passado, quando a marca Nova Schin disputava o terceiro lugar no mercado brasileiro de cervejas com a Antarctica. A Nova Schin conseguiu desbancar a concorrente e a troca de farpas continuou, a ponto de as ações não se concentrarem no Conar e as batalhas chegarem até mesmo à Justiça comum.
Conar decide manter filme da Brahma no ar
Quando a AmBev anunciou a associação com a cervejaria belga Interbrew, o grupo Schincariol condenou o acordo, alegando que seria prejudicial ao mercado nacional pelas vantagens que a concorrente teria na compra de insumos. Chegou a dizer que, a partir daquele momento, era a única empresa totalmente nacional. A Schincariol enviou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) um pedido de avaliação dos efeitos desta associação para a concorrência.
O último round entre as duas empresas aconteceu na sexta-feira passada, quando começou a ser veiculado o comercial com Zeca Pagodinho, criado pela agência Africa, de Nizan Guanaes. Nizan afirmou que convenceu o cantor a fazer o filme e o próprio cantor disse que não suportava mais beber a cerveja de sua preferência escondido.
O comercial pegou de surpresa o publicitário Eduardo Fischer e os executivos da Schincariol. As duas empresas entraram no Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) com um pedido de suspensão do comercial mas o conselho decidiu manter a propaganda no ar.
De acordo com o parecer do Conar, a letra do samba cantado por Zeca Pagodinho, assim como a composição geral do comercial, não ferem o código de ética e estão dentro dos limites da propaganda comparativa. Quanto à alegação da Fischer America e do grupo Schincariol de que houve aliciamento do apresentador do produto (no caso o cantor Zeca Pagodinho), o Conar diz que o assunto não faz parte da legislação do órgão e, por isso, não pode ser avaliado.
O grupo Schincariol informou que apesar de o pedido de suspensão do comercial não ter sido aceito pelo Conar, a decisão não é definitiva, já que o julgamento sobre as questões éticas da propaganda da concorrente só acontecerá na próxima semana.
Fundado em 1980, o Conar é uma organização não-governamental que regulamenta a propaganda. As regras do setor são determinadas pelo Conselho Superior, composto por 15 representantes de anunciantes, emissoras de rádio e TV, jornais, revistas e empresas de outdoor.
Em janeiro entraram em vigor as novas regras para propaganda de bebidas alcoólicas, que proíbem o apelo erótico, a participação de menores de 25 anos em comerciais e o consumo da bebida na veiculação do anúncio.
Ao Conselho de Ética, que reúne cem membros, cabe julgar as reclamações sobre peças publicitárias encaminhadas por qualquer pessoa. As denúncias são analisadas a partir do Código de Auto-Regulamentação Publicitária. Os conselheiros podem determinar a suspensão, alteração do anúncio ou arquivamento do processo.’
Marcelo Mastrobuono
‘O jornalismo de porre’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/03/04
‘Vi com grande surpresa a repercussão da participação Zeca Pagodinho no novo comercial da cerveja Brahma, veiculado em vários canais de TV. Confesso que nem tinha me dado conta quando veio à tona a discussão sobre questões éticas no fato do cantor e compositor ter, digamos, ‘mudado de lado’ na guerra das cervejarias (antes ele participou da propaganda na Nova Skin). Quando percebi, o assunto já havia avançado os balcões dos bares, dividindo opiniões, inclusive entre jornalistas.
Não creio que esse tipo de polêmica mereça mais espaço além das mesas de boteco. Que mal tem um pagodeiro em mudar de marca de cerveja? Prefiro a tirada do José Simão, na Folha de hoje (16 de março): ‘Isso não é ético nem anti-ético, é etílico’. E ponto final.
Para os jornalistas, essa discussão mereceria um espaço maior se fosse travada meses atrás, quando uma figura notória do meio protagonizou um episódio ‘gritantemente’ semelhante. E não estou falando de Joelmir Beting não, cuja polêmica de opiniões já foram mais do que debatida neste espaço. Refiro-me essencialmente ao senhor Milton Neves, o publicitário que insiste em se apresentar no papel de jornalista.
No começo do ano, Neves deu uma de Zeca Pagodinho e trocou a Nova Skin pela Brahma, como patrocinador principal de seu programa, o Debate Bola, apresentado diariamente na Rede Record. Também não teria mal nenhum se não fosse a forma como o apresentador mistura jornalismo e publicidade. Um porre!
Milton Neves levou para a televisão a mesma lambança de informação que o consagrou no rádio. Quando colocou jornalistas respeitados para dar notas de avaliação (10, é claro) para instituições bancárias, marcas de cerveja e outros produtos, instituiu uma nova fórmula de fazer comercial. Em contrapartida, arrumou uma saia justa para quem preza pela ética da imparcialidade na profissão. Alguns cederam em seus princípios e aceitaram a condição; outros, simplesmente se despediram de tal companhia. E é assim até hoje.
Embora tenha encontrado respaldo comercial, a alquimia Jornalismo/Publicidade de Neves é extremamente perigosa e constrangedora para os jornalistas. Uma roleta-russa, diria, para usar uma expressa bem próxima do apresentador. Em um dia, tem de dizer que a Nova Skin é a melhor cerveja do mundo; no outro, é a Brahma. E como fica a credibilidade do profissional?
Neves vai além. Em nome dos ‘trocados’ que engordam a sua já polpuda conta bancária, o publicitário-jornalista prega a desinformação à luz dos holofotes televisivos. Chamou, repetidas vezes, o Parque Antarctica de ‘Parque Sckincariol’, em uma brincadeira que pode encontrar respaldo nos mais desavisados. Faria menos mal, agora, chamando o campo do Palmeiras de ‘Parque Brahma’, numa alusão à Ambev.
Neves tem muito poucos escrúpulos quando o assunto envolve interesses comerciais. Monta um programa de circo na TV, faz gente séria (ou que se pensava que era) virar garoto-propaganda e chama aquilo de jornalismo esportivo. O pior de tudo isso é que ninguém fala nada! Um silêncio cadavérico. E ainda tem gente querendo polemizar com Zeca Pagodinho. Deixa ele se embebedar em paz. Já basta o porre que esse ‘jornalismo’ do Milton Neves nos traz!’