Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

As diferenças gritantes

A Copa do Mundo escancara as brutais diferenças entre a remuneração de escritores e jogadores. O único Prêmio Nobel atribuído às literaturas de língua portuguesa foi dado em 1998 a José Saramago. Foi quase 1 milhão de dólares, quantia que sequer roça a fortuna amealhada por muitos jogadores de futebol pelo mundo afora.

Os maiores prêmios dados a escritores brasileiros variam de pouco mais de cem mil reais a cem mil dólares, quantia paga pelo Prêmio Camões, alternado ano após ano entre escritores portugueses, brasileiros e africanos lusófonos.

Vários jogadores, convocados ou não para a seleção brasileira, têm uma ou mais residências cujos valores equivalem a mais ou menos dez prêmios Nobel de Literatura. Os maiores prêmios literários brasileiros oferecem pouco mais de cem mil reais.

Os contratos publicitários assinados por conhecidos bobos integrais ou indivíduos, incapazes de sequer pronunciar direito as poucas palavras que precisaram memorizar para o dito comercial, equivalem a quantias que a maioria dos escritores jamais arrebatará, ainda que computadas as dezenas de livros publicados, vários deles traduzidos para diversas línguas.

Jogadores são tratados como heróis

Em suma, escritor brasileiro é baratinho. Muitos editores recusam-se a pagar pelo livro que o escritor já escreveu alguma quantia próxima do que vão gastar com edição e impressão. Digo apenas edição e impressão porque a maioria deles não anuncia livros. Anunciar é arriscar e isso a maioria deles não faz.

Vejamos como o mundo do futebol é diferente. Faz muito tempo que não se fala de outra coisa que não seja a Copa do Mundo. Jogadores que sequer são titulares nos clubes em que atuam são alçados à categoria de heróis. No momento, o cargo mais importante não é o de presidente da República, de presidente do Supremo Tribunal Federal, de presidente do Senado ou de presidente da Câmara. É o de técnico da seleção brasileira. Os três poderes da República, Executivo, Legislativo e Judiciário, estão muito abaixo do poder do futebol.

Escritores são avaliados com reiterada frequência, a cada novo livro que publicam. E um tropeço pode ser fatal para uma carreira pacientemente construída. E os jogadores? Ganham fortunas para fazer bem o que fazem. E o que fazem? O sujeito vai cobrar um pênalti e chuta no goleiro, que às vezes sai dali para que aconteça o gol. Ou então chuta quase na bandeirinha do escanteio ou nas nuvens, certo de que nada lhe acontecerá, apesar da tremenda barbeiragem. No trânsito, ele perderia a carteira e, dependendo da falta, a liberdade.

Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, então capitão e hoje técnico da seleção brasileira, ao erguer a taça do tetra, em 1994, irritado com as críticas que recebera, xingou a mídia: ‘Essa taça é para vocês, bando de traíras.’

Quer dizer, os jogadores são tratados como heróis e não podem, face ao fracasso eventual, possível de ocorrer em qualquer ofício, ser criticados. Concebem uma mídia a seus pés para louvá-los exclusivamente, jamais para prestar serviços ao distinto público.

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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras