Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

As fintas da cobertura

O planeta Copa não é mais aquele. Na África do Sul tudo que é possível acontecer, acontece. Zebras desvairadas invadem os gramados e trazem decepção a esta imensa maioria da população mundial que ama futebol-arte, futebol-técnica, futebol-bola-na-rede. Não sendo uma competição da melhor qualidade, ao menos até agora, é altamente previsível a cobertura midiática: estrelismo é concedido à Jabulani, espaço desmedido à crise dos franceses, o casaco ‘multibotões’ de Dunga e explicações sobre a vuvuzela abundam como praga de gafanhoto no Egito de priscas eras.


E o Brasil? Seguimos todos dentro do carro, com cinto de segurança bem preso, uma mão no console da porta e outra agarrada ao Santo Antonio. Em seus dois jogos até o momento conseguimos vencer: a Coréia do Sul por 2 x 1 e a Costa do Marfim por 3 x 1. Nada de especial, nem de encantador, menos ainda algo para encher os olhos. Cada partida parece infindável, o coração sempre na mão nubla a visão daquele futebol que somente nós poderíamos oferecer: ginga, arte, talento, improviso.


O técnico Dunga protagoniza novos rounds com a imprensa em uma escrita que parece infindável. Recebe alfinetada daqui responde com sarcasmo ali. Até me esforço para apreciar nosso técnico. No duro. Mas, a cada coletiva em que participa algo me faz continuar desgostando do técnico. Tem um quê de frases feitas a justificar cada situação, seja boa seja ruim para nossa seleção, tem um quê de cerebral. E aquele jeito inconfundível de quem sabe acondicionar no freezer ressentimentos passados. Por isso, penso que se sobrevivermos ao Dunga teremos chances reais para participar na final de 11 de julho, em Joanesburgo.


Barraco francês


Desde o dia 11 de junho temos encontrado o espanto em campo: a maioria dos resultados é 0 x 0, 1 x 1, 1 x 0. E fatos estranhos a desafiar o bom senso geral se verificam a cada dia: a Suíça ganhando da Espanha, Sérvia batendo a Alemanha, México vencendo a França. E mais: Japão ganhando do Camarões. E os empates, vamos dizer, embaraçosos: Inglaterra e Argélia (0 x 0), Itália e Nova Zelândia (1 x 1), Itália e Paraguai (1 x 1), Inglaterra e Estados Unidos (1 x 1).


Fartura de gols mesmo só para umas poucas seleções: Portugal (quem diria?) goleou a Coréia do Norte por 7 x 0. A mesma Coréia que exigiu do Brasil esforço sobre-humano para batê-la por 2 x 1. A Alemanha goleando a Austrália por 4 x 0 e a Argentina batendo a Coréia do Sul por 4 x 1.


As grandes seleções estão no centro dos vexames: Inglaterra, Espanha, Itália e a França. Esta última tem se esforçado para conquistar o Troféu Ridículo Invicto. Seu técnico Raymond Domenech briga com os jogadores, xinga uns, é desacatado por outros, expulsa um dos melhores jogadores e estes, em solidariedade, simplesmente se recusam a treinar. Coisa inédita em todos os 19 mundiais de futebol organizados pela FIFA. E o pastelão francês segue em frente como a primeira e última viagem do Titanic na África do Sul.


Futebol alegre


Figura mesmo é Diego Maradona, roubando a cena, os holofotes, os microfones e o que se escreve nos blocos de anotação. Desde que a seleção argentina pisou a África do Sul as atenções da imprensa mundial focaram Don Diego, que tem mostrado métodos bem curiosos de treinar os pupilos como o de promover uma pelada em que os perdedores viravam alvo de boladas dos vencedores, dentro do gol. Provocações a Pelé não faltam no cardápio que o técnico mais pavão do planeta oferece a uma imprensa ávida por notícia que contrabalance a falta de protagonismo dos grandes selecionados.


A Copa da África parece contraponto ao que nos reserva 2014. Isto é, caso o planeta sobreviva às profecias maias – que apontam para 2012 como o ponto final de nossa claudicante história – o Brasil poderá oferecer o que está em falta nesta Copa: a sempre boa e velha alegria de jogar futebol.

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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter