Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

As melhores capas de 37 anos do jornal

É uma antologia com um título sucinto: Les Unes, acompanhado do logotipo do jornal. O livro, do tamanho de uma página de jornal formato tablóide, tem 351 páginas e é, ao mesmo tempo, um balanço e uma antologia feita de textos e imagens. Além das primeiras páginas (unes), o volume reúne também alguns dos melhores artigos e entrevistas da história do jornal. Um verdadeiro deleite e uma aula de jornalismo.

Libération mudou a imagem visual e a língua do jornalismo na França. E influenciou diversos jornais no mundo todo. O jornal inventou uma linguagem mais próxima do francês falado, uma língua mais viva. O diário criou também novas rubricas para um jornalismo que antes dele tinha a aparência austera de um membro da Academia Francesa. O volume é uma verdadeira antologia que inclui, por exemplo, uma entrevista do escritor americano Paul Auster publicada na edição de 17 e 18 de janeiro de 2009, em que ele analisa a importância da posse de Barack Obama, primeiro presidente negro eleito pelo povo americano.

As primeiras páginas de Libération – jornal legendário fundado em 1973 pelo filósofo Jean-Paul Sartre acompanhado de um grupo de jovens militantes maoístas impregnados das ideias e dos ideais de maio de 1968 – testemunham de 37 anos de jornalismo livre, libertário, engajado nas lutas da esquerda e da emancipação anticolonial e anti-imperialista, mas sem o ranço da esquerda tradicional que se esclerosou com o tempo.

Estilo Libé de fazer jornal

Les unes de Libération tornaram-se marca registrada do jornal. Criativas, bem-humoradas, elas podem ser provocativas, inventando jogos de palavras, usando e abusando do duplo sentido e dos trocadilhos. Livre, o jornal não tem rabo preso, não depende de partidos políticos e nele os jornalistas decidem tudo, desde a linha editorial até o candidato à presidência que apoiam. Porque o jornal não adota a postura hipócrita que tenta fazer o leitor crer num jornalismo objetivo que só existe nos manuais. Para Libération, jornalismo é uma arma de combate.

Por isso, seus jornalistas brigam para manter a liberdade que sempre tiveram. Quem manda no jornal é a redação, e não o patrão ou o acionista majoritário, como reafirma o atual diretor Laurent Joffrin: ‘Os jornalistas decidem sozinhos, todo dia, o que devem escrever; nem partido, nem poder econômico podem alterar um trabalho de investigação e reportagem, que só obedece à vontade de compreender o mundo e transformá-lo’.

Quando o jornal foi lançado o mundo era outro. ‘Era o tempo da revolução próxima, do comunismo sonhado e da ilusão perigosa. Sem abandonar nossa vontade de justiça, descemos do céu das utopias para viver na terra dos combates difíceis e das realidades exaltantes’, escreve Joffrin na apresentação do livro.

O estilo Libération de jornalismo foi levado às últimas consequências na edição de 20 de novembro de 2009. A capa era a mão esquerda de Thierry Henry, responsável pela classificação da França para a Copa do Mundo de 2010, num jogo contra a Irlanda. A falta não foi vista pelo juiz e a vergonhosa classificação serviu de pretexto ao jornal para fazer uma edição inteira em que todos os artigos e reportagens foram ilustradas por fotos em que as mãos dos personagens aparecem com destaque ou em corte especial. Na matéria da página 8 em que a correspondente em São Paulo, Chantal Rayes, trata do caso Battisti numa matéria intitulada ‘Lula, dernier recours de Battisti’, vê-se uma mão inconfundível com uma aliança e quatro dedos. Na página ao lado, a matéria sobre o Afeganistão mostra o presidente Karzai gesticulando com as duas mãos.

Um estilo Libé de fazer jornal. A antologia é, desde já, um clássico.

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Jornalista