Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

As tecnologias de informação e a democracia

No período de 21 a 25 de novembro, realizou-se na antiga cidade de Vadstena, Suécia, a Conferência de Democracia Eletrônica, promovida pela Fundação Européia de Ciência e pela Universidade de Linkoping. Mais de 50 acadêmicos, a maioria de cientistas políticos e sociólogos reconhecidos mundialmente, discutiram os rumos do uso das tecnologias de informação no campo da democracia.

Apesar da euforia de anos anteriores sobre a possibilidade de se usar as Tecnologias de Informação e Comunicações (TICs) para se ampliar a democracia, não se conseguiu ainda registrar experiências bem-sucedidas, até porque uma das dimensões de democracia é a contestação. Tem havido, também, contestação das TICs através do conceito de construção social da tecnologia. Portanto, a tecnologia de informação não é neutra e tem sido discutida dentro de um conceito bastante estreito, principalmente no campo tradicional da democracia liberal.

Neste caso, tenta-se considerar que uma quantidade maior de informação produzida pelas tecnologias de informação significa mais democracia. Com isto, observam-se apenas as questões técnicas ou a capacidade da tecnologia, e não as questões sociais, políticas e culturais embutidas nestas tecnologias. No caso específico do Brasil, o voto eletrônico é visto puramente como uma ferramenta de se agilizar a contagem de votos e de se evitar as fraudes registradas no sistema tradicional. Ninguém comenta, por exemplo, que o voto eletrônico no Brasil é um instrumento de se legitimar um sistema político perverso; que o voto eletrônico não parece elevar a cidadania, mas reduzi-la; e que o voto eletrônico está reforçando a divisão digital. Por fim, ninguém se preocupa com a capacidade de se fraudar uma eleição em proporções maiores através do uso das tecnologias de informação.

Sistema de votação

Portanto, enquanto nas democracias tradicionais as intenções de se usar a tecnologia de informação estão orientadas para se ampliar a democracia, no Brasil estamos pensando em como eliminar as fraudes nas eleições. Assim, enquanto na Áustria e Suíça, por exemplo, as TICs são utilizadas para se promover outras formas de democracia – além da representativa –, no Brasil estamos pensando em fraudes. As TICs dificilmente irão resolver esta questão, pois quanto mais se tornarem sofisticados os mecanismos de segurança, mais sofisticados se tornarão os mecanismos de fraudes.

No momento, propõe-se reforçar a segurança do voto eletrônico no Brasil. Se não se discutem formas de se ampliar a democracia e eliminar as fraudes existentes e comprovadas de compra de votos, um sistema de votação mais seguro só vai legitimar o sistema político existente, indiferente à ampliação da democracia e dos próprios esquemas de fraudes durante as eleições, que muitas vezes acontecem antes do ato de votar. Portanto, em países como Brasil e Venezuela, o voto eletrônico só vem legitimar o sistema político existente.

Para além dos brinquedos

Por fim, o que se observou durante a conferência foi o fato de que democracia tem apenas um ‘e’. É utópico falar em e-democracia, ou seja, democracia eletrônica. Contudo, diante do grande investimento realizado – tanto pelos países desenvolvidos quanto em desenvolvimento – em tecnologia de informação, é necessário desenvolver pesquisas para se conhecer o que realmente está acontecendo. É necessário construir-se uma base teórica sobre o fenômeno, de modo que o mercado não fique sozinho a determinar o que está acontecendo, sem uma visão mais reflexiva sobre o assunto.

Como participante convidado da conferência, apontamos a necessidade de se desenvolver uma pesquisa mais reflexiva e crítica sobre o voto eletrônico, não só no Brasil como no mundo inteiro. Infelizmente, o enfoque de pesquisa dominante tem sido utilitarista e puramente técnico, por se tratar do voto eletrônico. Como foi dito durante a conferência, os eufóricos com a tecnologia de informação tendem a tratá-la como um brinquedo, alheios à dimensão de contestação de democracia e da própria contestação oriunda das teorias de construção social da tecnologia. Dificilmente surgirá uma reflexão durante esta fase dos brinquedos. O difícil é saber o que vai acontecer na fase que vai além dos brinquedos.

***

Clique aqui para conhecer o site da Conferência de Democracia Eletrônica; o paper apresentado pelo signatário está aqui e a apresentação, aqui [em inglês].

******

Ex-pesquisador nas Universidades de Harvard e John Hopkins; atualmente, professor da Universidade Federal da Paraíba