Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Assunto importante demais para ficar com os radiodifusores

A sociedade brasileira está tendo uma oportunidade ímpar de assistir publicamente a um importante debate que há anos vem sendo travado, mas que não ganhava espaço na mídia: a democratização da comunicação. Desde a Constituinte, em 1987-1988, não se viam tantos depoimentos, entrevistas, editoriais e programas de TV sobre temas tão próximos de todos, mas tabu para as empresas do setor.

Em um só momento estão aflorando questões como classificação indicativa, TV e rádio digital, publicidade de bebidas alcoólicas e de produtos que causam obesidade em crianças, TV pública, renovação de concessões e até financiamento de campanhas eleitorais, o que afeta diretamente a indústria do marketing político. Pela primeira vez na história e ao mesmo tempo, Ministérios, Câmara, Senado, ONGs, movimentos sociais, empresas do setor e até o Judiciário têm ocupado o espaço público, trazendo à tona questões que somente circulavam nos gabinetes de Brasília e que, invariavelmente, acabavam em uma gaveta bem profunda.

Políticas públicas

Para aqueles que gostam de efemérides, o atual momento também é muito significativo, pois na segunda-feira, 16 de julho comemoram-se os 10 anos da Lei Geral de Telecomunicações em meio ao debate de radiodifusores e teles sobre o uso de conteúdos digitais em celulares, computadores e/ou aparelhos de TV. No último 9 de fevereiro, passaram em branco os 40 anos da Lei de Imprensa – num período em que a ética é tão questionada. E no próximo dia 24 de agosto completam-se 45 anos do Código Brasileiro de Telecomunicação, que ainda hoje é o instrumento legal do rádio e da televisão brasileira.

Já passou da hora de a classe política, a classe econômica, a sociedade civil e a academia tratarem dos temas das comunicações de forma ampla, clara e democrática. E para que isso ocorra, há um mecanismo bem viável: basta uma Conferência Nacional de Comunicações. Não há passes de mágica de Leis Gerais escondidas por baixo das mangas – ou das mesas. A saída mais simples está no debate.

Temas como saúde, educação, meio ambiente, segurança, direitos humanos e outros de tanta importância para o país já vêm sendo discutidos em conferências municipais, estaduais e nacionais com bons resultados. O objetivo é o de traçar políticas públicas para setores onde se exige a presença e ações do Estado, como no caso das comunicações.

Rabo preso com anunciante

Historicamente, apesar da existência de uma infinidade de portarias, decretos, emendas e leis que se confundem, a política adotada no Brasil para o setor foi a da não política. Com isso, os interesses públicos sempre ficaram em um segundo plano; tal situação propiciou uma confortável margem de atuação para os grupos de mídia, que precisavam avançar com suas estratégias empresariais – afinal, vivemos em um mundo regido pelas lógicas do capital. No entanto, essa apatia histórica parece ter feito adormecer a percepção de que o espaço público pertence a todos.

Assim como a liberdade de expressão é um atributo do povo, do indivíduo, do cidadão; e não unicamente dos jornais, das revistas, do rádio ou da televisão. Estes são apenas meios que, em sua maioria, perderam a função de porta-voz dos anseios da sociedade há mais de um século, quando passaram a ter seus rabos mais presos com os anunciantes do que com os leitores.

Todo este quadro faz lembrar uma famosa frase do jornalista e homem político francês Georges Clemenceau: ‘La guerre! C’est une chose trop grave pour la confier à des militaries.’ Parafraseando-o: a comunicação é uma coisa muito importante para ser confiada apenas aos radiodifusores. Tampouco deve ficar exclusivamente nas mãos do Estado.

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Jornalista e doutor em Comunicação, professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador de políticas e estratégias públicas e corporativas da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom