O mercado editorial americano vem sendo sacudido pela tecnologia digital com o recente fechamento da rede de livrarias Borders – a segunda maior do país – e a transformação paulatina da Barnes & Nobles, a número um, em uma companhia de software, concentrada em aplicativos para livros digitais. As editoras vem perdendo espaço para empresas oriundas do mundo da tecnologia, como Apple, Amazon e Google. No Brasil, porém, o relativo atraso na adoção de tablets e leitores de livros digitais pode transformar-se em uma vantagem para as editoras. “Essas companhias podem aprender com o que está dando certo e, principalmente, com o que deu errado no mercado dos Estados Unidos”, diz Dominique Raccah, executiva-chefe da Sourcebooks, editora americana que há 10 anos investe nesse tipo de conteúdo.
Na avaliação da executiva – que está no Brasil para o II Congresso Internacional do Livro Digital, que começa hoje –, o país está pelo menos dois anos atrás dos Estados Unidos no mercado de livros digitais. O medo das editoras de que os leitores reduzam o consumo de títulos no mundo digital é uma das teses que não se confirmou, diz Dominique.
Ao contrário, os adeptos dos livros digitais gastam mais dinheiro e consomem mais títulos que os leitores de edições impressas. Segundo pesquisa feita em janeiro pelo Book Industry Study Group (BISG), 45% dos leitores de livros digitais afirmaram ter aumentado o número de obras compradas. Seis meses antes, a mesma pesquisa tinha detectado um índice de 38%. Segundo o BISG, três fatores incentivam a compra de livros digitais: preço, facilidade de baixar conteúdo e comodidade na leitura. “As pessoas querem ler seus livros a qualquer hora, em qualquer lugar e em qualquer dispositivo”, diz Dominique.
À frente do mercado
Com essa perspectiva em vista, as editoras devem investir de maneira decisiva para adaptar seus modelos à nova ordem, avalia Bob Stein, presidente do Institute for the Future of the Book, organização americana que estuda a transição do livro impresso para o digital. Ao fazer isso, as companhias podem colocar abaixo outra tese: a de que as companhias de tecnologia vão, necessariamente, dominar o mercado de livros digitais, tendo as editoras como meras coadjuvantes.
Para Stein, que também participa do congresso realizado pela Câmara Brasileira do Livro, as lojas de livros virtuais de empresas como Apple e Amazon representam uma transposição do que é feito no mundo físico para a internet, mas não será o modelo no futuro. “Precisamos de novos paradigmas. E eu creio que essa inovação não virá dos Estados Unidos nem da Europa, mas de países como o Brasil”, diz o especialista.
Ainda há muito pouco conteúdo em português nas lojas de livros digitais internacionais. Antes que essas companhias façam um segundo movimento, incorporando títulos em outros idiomas que não o inglês, Stein sugere que as editoras brasileiras se unam em torno de um projeto comum.
A recomendação é que as editoras definam um conjunto único de tecnologias para o mercado brasileiro, tanto em termos dos equipamentos para leitura de livros digitais, quanto em relação à forma como os livros são vendidos. O caminho, afirma Stein, é relativamente simples: visitar fabricantes asiáticos de produtos eletrônicos sob encomenda e criar um projeto que atenda a todas as companhias. Esse esforço, avalia, seria importante para colocar o Brasil à frente do mercado de livros digitais. “Há 20 anos, as editoras americanas não se movimentaram quando começou a se falar de livros digitais. Isso abriu caminho para que as empresas de TI entrassem no jogo”, conta.
35% das vendas
A transição, porém, não será fácil, advertem os especialistas. As editoras precisam se adaptar a novos padrões. Os ciclos de desenvolvimento e a vida de um livro no mundo digital, por exemplo, não são os mesmos da publicação impressa. “A criação leva mais tempo e vida do livro não termina com sua impressão”, diz Dominique.
Outro ponto é a necessidade de se investir em pessoal com conhecimento de tecnologia da informação (TI). São esses profissionais que fará o desenvolvimento dos recursos dos livros em formato digital e dos aplicativos para celulares e tablets que permitirão interações com os leitores.
A Sourcebook criou um aplicativo para uma nova edição de Drácula, o livro clássico de Bram Stoker. Com o software, além de ler o livro no celular, o usuário recebe mensagens de texto e voz dos personagens. As novas funções fazem menção e ao mesmo tempo renovam o caráter da obra – que é uma sucessão de cartas trocadas pelos personagens e foi originalmente publicada em capítulos.
Apesar disso, Dominique diz não acreditar que as editoras vão se transformar em empresas de TI. “Companhias de todos os setores, hoje, têm que investir pesadamente no uso de tecnologia”, afirma. Dos 300 títulos lançados por ano pela Sourcebooks, todos ganham versões impressas e digitais para lojas como Amazon, Google Books, Kobo e Barnes & Noble. Os livros digitais representa 35% das vendas da Sourcebooks.
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[Gustavo Brigatto, da Redação de Valor Econômico]