Ganhar o Prêmio Esso é o sonho de todos ou pelo menos de ‘quase’ todos os jornalistas brasileiros. Mas apesar das críticas e polêmicas só há algo comparável a ganhar um Prêmio Esso: ser convidado para participar das comissões de julgamento.
Este ano tive o privilégio de colaborar na escolha do Prêmio Esso de Telejornalismo. Estou lisonjeado. O Prêmio Esso tem uma longa trajetória de sucesso. Segundo o jornalista Paulo Oliveira, ‘a idéia de criar no Brasil um prêmio de jornalismo inspirado no Pulitzer norte-americano foi do jornalista Ney Peixoto do Valle, que convenceu a Esso Brasileira de Petróleo a patrocinar um certame que se tornaria sinônimo de qualidade jornalística’.
O próprio Ney Peixoto explica: ‘O Prêmio surgiu da necessidade de estabelecer uma ponte entre a empresa e os jornalistas em virtude do exacerbado nacionalismo que existia na época contra as empresas estrangeiras de petróleo’.
O concurso, no entanto, acabou recebendo a adesão de jornalistas renomados e ganhou a confiança do grupo quanto a sua idoneidade e seriedade em termos de procedimentos de seleção e julgamento dos concorrentes. Ou seja, no Brasil de hoje, Esso não é mais sinônimo de poderosa empresa de petróleo norte-americana. Significa qualidade em Jornalismo. É a mais alta consagração para o repórter e para a reportagem.
Oscar do jornalismo
Desde 1955, o Prêmio Esso é festejado como patrimônio dos jornalistas brasileiros. Naquele ano, havia uma única categoria de premiação, conquistada por Ubiratan de Lemos e Mário de Moraes com a reportagem ‘Uma tragédia brasileira: os paus de arara’, publicada na revista O Cruzeiro. Os problemas não mudam. Mas pelos menos um dos personagens dessa reportagem se tornou presidente da República. Mas esta é uma outra história.
Desde então, segundo a empresa, concorreram ao Prêmio Esso mais de 27 mil trabalhos jornalísticos. O prêmio converteu-se no principal item dos currículos de importantes jornalistas brasileiros como Tim Lopes, Ricardo Kotscho, Juarez Bahia, Chico Otávio, Eliane Brum e Sérgio D’Ávila, entre tantos outros. Guardada as proporções, o Prêmio Esso de Jornalismo é algo comparável ao Oscar para o cinema norte-americano.
O Prêmio Esso de Reportagem, nome original, reforçou a personalização do texto jornalístico, destacando o indivíduo-autor como objeto de mérito e reconhecimento público. Seria uma enorme contribuição para o fim do anonimato. O bom repórter é o repórter conhecido, que por sua vez é o repórter premiado no Prêmio Esso. O repórter premiado é o melhor repórter: eis a equação que até hoje a organização do prêmio quer fazer valer.
Magias, heróis e rituais
Para revelar os bastidores da premiação, além de recorrer à minha própria experiência na comissão de julgamento do Prêmio Esso de Telejornalismo deste ano também recomendo o novo livro da antropóloga Candice Vidal e Souza, Repórteres e Reportagens no Jornalismo Brasileiro (248 pp, FGV Editora, Rio de Janeiro, 2010). A obra é excelente. Trata-se de mais um exemplo do que procuro conceituar como Antropojornalismo (ver, neste Observatório, ‘Uma ajuda para vencer a crise‘): um jornalismo investigativo que utiliza a metodologia etnográfica e a pesquisa de campo da Antropologia para revelar o mundo contemporâneo.
Em seu livro, Candice descreve o mundo dos jornalistas pelo viés da magia, dos heróis e dos rituais. O jornalismo é a magia ou mana, o repórter é o herói e o ritual é a cerimônia de premiação do Prêmio Esso.
A própria autora esclarece:
‘No Prêmio Esso, quem exerce as funções de agentes rituais são os componentes das comissões julgadoras. Eles sim, apesar da não oficiarem a cerimônia de entrega dos prêmios, são aqueles especialistas que realizam as práticas mágicas, por serem os responsáveis pela concessão da nova identidade aos concorrentes vencedores, que encarnam a autoridade de realizara a investidura de seus pares. O seu prestígio e reconhecimento como os ‘sábios’ do meio jornalístico dota-os de uma qualidade mágica – o mana – que distribuem no ato de escolha dos melhores’.
Boicotes e ameaças
Mas qual é segredo do longo sucesso, da magia do Prêmio Esso no jornalismo brasileiro?
Desde criança assistia ao Repórter Esso na velha TV Tupi. Esso era sinônimo de jornalismo de qualidade. Primeiro no rádio com o grande Heron Domingues e depois na TV, com Gontijo Teodoro. O Repórter Esso era o ponto de encontro das famílias brasileiras com o noticiário da noite.
Sonhava em participar do mundo da TV e do jornalismo. Foi uma longa trajetória de jovem cinegrafista e repórter cinematográfico a correspondente internacional, professor de jornalismo e agora membro de comissão de premiação do Prêmio Esso de Telejornalismo. A comissão deste ano também foi constituída pelas colegas Ana Gregati e Denise Barreto.
Foi uma experiência maravilhosa. Pude assistir a uma seleção de boas matérias do jornalismo do SBT, da Record e da Bandeirantes. O nível das reportagens era altíssimo. Mas, infelizmente, como já era de se esperar, a Rede Globo não participa do Prêmio Esso. Não mais. Diz ter suas razões.
No passado, conforme descreve o jornalista Pedro Oliveira ‘boicotes e ameaças viraram armas das empresas jornalísticas e produziram ações que revelam a vontade dos editores em influenciar na escolha’.
Pena. Apesar de ser a consagração do repórter e da reportagem, o Prêmio Esso também se tornou arma poderosa na guerra de audiência. O trabalho das comissões de seleção e julgamento precisa ser protegido e valorizado.
Aventura, risco e dificuldade
Nos últimos anos, fui o mediador da premiação do Prêmio Esso de Telejornalismo organizada pelo amigo Nelson Hoineff, diretor do Instituto de Estudos de TV (IETV). Mas este ano pude participar dos bastidores da premiação como membro da comissão julgadora organizada pelo jornalista e empresário Ruy Portilho.
Confirmei as impressões da colega antropóloga. Apesar do clima descontraído entre os jornalistas que participam das reuniões das comissões de julgamento, é evidente a forma criteriosa de avaliação dos trabalhos apresentados. São analisadas a qualidade da reportagem, a presença do repórter, a riqueza do texto e das imagens, a eficiência da produção e da edição final das melhores matérias de nossas redes de TV. Costumam prevalecer as matérias mais longas, investigativas e polêmicas.
No passado recente, Tim Lopes e Monica Puga receberam o maior prêmio do telejornalismo brasileiro. De uma forma ou de outra, o Premio Esso mudou definitivamente a carreira desses jornalistas. A premiação ou consagração se torna o principal item do currículo do jornalista. Infelizmente, nem todos sobrevivem.
Reportagem e sacerdócio
Este ano o grande vitorioso em uma das categorias mais nobres, o telejornalismo, foi o experiente repórter Roberto Cabrini com ‘Sexo, intrigas e poder’, exibido no SBT. Ele apresentou extensa investigação que comprovou denúncias de abusos sexuais de padres contra coroinhas ocorridos em Arapiraca, uma das principais cidades de Alagoas.
Para comprovar as denúncias, Cabrini entrevistou padres, sacristãos, coroinhas e suas famílias, obtendo imagens chocantes e confirmando que dentro daquela paróquia ocorriam abusos. Posteriormente, em entrevista ao repórter, um dos sacerdotes acusados revelou ter ele próprio abusado sexualmente de menores. Foi a primeira vez na história da igreja católica brasileira que o Vaticano reconheceu um caso de abuso sexual contra menores. A material teve grande repercussão internacional.
Na cerimônia de premiação, o repórter Cabrini agradeceu emocionado a vitória. Falou das dificuldades do exercício do jornalismo investigativo, das ameaças e intimidações que o profissional sofre. Disse que o sofrimento das pessoas molestadas por religiosos, a maioria crianças, passaria a ser considerado com mais atenção, do momento em que o trabalho foi destacado no Prêmio Esso. E concluiu se perguntando se todo o sacrifício para realizar uma matéria como aquela valia a pena, para ele mesmo responder: ‘Sim, vale a pena’.
Solidário, o jornalista do SBT também lembrou dos colegas: ‘Em nome de toda a equipe, obrigado de coração pelas palavras de carinho em relação ao Prêmio Esso. É uma vitória de todos nós. Do jornalismo do SBT, da equipe do Conexão Repórter e de vocês que sempre nos incentivam a continuar em frente. Uma vitória de todos que acreditam que o jornalismo é uma das eficientes formas para a criação de uma sociedade mais justa a partir da conscientização. Essa é nossa missão, esse é nosso sacerdócio’, disse.
Roberto Cabrini é um excelente repórter e mereceu finalmente a consagração do Prêmio Esso. A matéria é ao mesmo tempo chocante, sensacional e relevante. Mais do que tudo, comprova que há vida fora do jornalismo da Rede Globo. Ela pode ser vista aqui:
E os repórteres cinematográficos?
Os vencedores do Prêmio Esso de Jornalismo 2010 foram anunciados na noite de quinta-feira (18/11), em cerimônia realizada no Copacabana Palace, no Rio. Foram entregues 14 prêmios, 12 para trabalhos na mídia impressa, a distinção de Melhor Contribuição à Imprensa em 2010 e Prêmio Esso de Telejornalismo.
O Prêmio Esso de Jornalismo, principal distinção da noite, foi concedido à série de reportagens ‘Diários Secretos’, do jornal Gazeta do Povo, do Paraná. Merecidíssimo.
Em sua longa história e apesar das polêmicas, o prêmio teve um recorde de 1.215 trabalhos inscritos nas 12 categorias em 2010. O futuro pode ser incerto, mas o prestígio continua em alta.
Em meio à crise de identidade do jornalismo, apesar das críticas dos poderosos e dos golpes contra os direitos de seus profissionais como o famigerado fim da obrigatoriedade do diploma, a sobrevivência do Prêmio Esso confirma a força da reportagem e a qualidade do jornalismo brasileiro.
Agora só falta mesmo desfazer uma grande injustiça. Sugiro lançar em 2011 o Prêmio Esso de Telejornalismo na categoria Repórter Cinematográfico. Não custa sonhar.
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Jornalista