Em um lugar que faria tremer bibliófilos, uma sala inapropriada e sem acesso público escondida em Brasília, repousa um tesouro. Trata-se de uma rara coleção, talvez a mais importante e completa da América Latina, de obras de e sobre Johann Wolfgang Goethe (1749-1832).
O conjunto de livros, 6.000 volumes ligados ao maior nome da literatura alemã, foi comprado pelo governo brasileiro há quase 40 anos e, desde então, foi pouco ou nada pesquisado.
Análise recente feita por um especialista a pedido do governo alemão atesta que seu estado de conservação é ‘sofrível’. Documentos manuseados pela reportagem, elaborados há quase 30 anos, já relatavam o descaso com a obra.
Repletos de mofo e empilhados de forma desorganizada em uma sala da biblioteca do Ministério da Justiça, os 4.183 títulos da coleção jamais foram tratados.
Os livros, mantidos em ambiente sem climatização e sistemas apropriados contra roubo e incêndio, não estão disponíveis para consulta, segundo a própria responsável pelo acervo.
Autor de obras-primas como Fausto, Goethe também enveredou por temas díspares como botânica, mineralogia e direito. Suspeita-se que haja na coleção trabalhos sobre essas áreas.
Pouco se sabe sobre os livros – Ministério da Justiça, Instituto Goethe e embaixada alemã em Brasília não souberam responder.
‘Impressionante’
O adido cultural da Alemanha, Holger Klitzing, conheceu o acervo, que ele considera ‘impressionante’, após análise feita em 2006 pelo professor Willi Bolle, da USP (Universidade de São Paulo).
‘É possivelmente a mais importante biblioteca goethiana na América Latina. Há uma série de edições originais e de capricho estético especial’, disse Bolle.
Marcus Mazzari, professor de teoria literária da USP e membro da Associação Goethe do Brasil, diz desconhecer outro acervo tão completo no país.
A maior parte da coleção é formada por livros em alemão gótico seiscentista, além do contemporâneo, e ainda em inglês, francês, italiano, espanhol e português.
Há obras do final do século 17, algumas artesanais e ilustradas a ouro. A maioria, editada entre 1780 e 1860.
‘A direção da biblioteca admitiu que as condições para a conservação não eram ideais’, relatou Bolle.
Em nota, o Ministério da Justiça contradiz a versão da chefe da biblioteca e afirma que os livros, disponíveis ao público, são submetidos a ‘técnicas de conservação’ e estão em ‘local adequado’.
Germanófilo
A coleção goethiana foi organizada pelo médico e professor carioca Fernando Rodrigues da Silveira, morto em 1970. Germanófilo, ele adquiriu parte dos livros diretamente na Alemanha.
Após a morte de Silveira, sua filha pôs a coleção à venda. A livreira Margarete Cardoso, 69, que atua com obras raras desde 1960, participou da negociação, em 1971, feita pela livraria Kosmus, no Rio.
‘O então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, frequentava a livraria e gostou muito dos livros’, conta Margarete. O ministério pagou pelos mais de 6.000 volumes Cr$ 80.000, valor que hoje equivaleria a quase R$ 70 mil -o preço real, estimam livreiros, seria muito maior.
Segundo documento interno do ministério, a coleção está subutilizada pelo menos desde 1981. O governo, agora, afirma que vai restaurar tudo até o final de 2011 -talvez fazendo justiça à frase de Goethe: ‘Também os livros têm sua vivência, que não lhes pode ser subtraída’.