Vimos, através desta carta aberta, chamar a atenção de V. Sas. para um aspecto crítico dentro da política de divulgação da cultura e realidade brasileira no exterior. Observamos que essa política não aborda a cultura como um conjunto de diversas expressões artísticas de vários gêneros, mas a reduz a dois ou três gêneros, como as artes plásticas e a música. São raros os projetos envolvendo o gênero literário.
A literatura é uma ponte entre os países, contribuindo para o melhor entendimento entre as nações, servindo para ampliar o horizonte de conhecimentos políticos, sociais, históricos, psicológicos e estéticos, entre outros. Ela é o gênero artístico que representa o mais amplo e profundo panorama de uma nação, talvez ao lado do cinema, mas um filme é, primeiramente, um roteiro escrito, isto é, um livro; muitos romances foram filmados, na Europa muitos filmes premiados são apresentados também em livros. Através da história fictícia de uma personagem em determinada época, envolvida com o desenrolar da história de um certo país, o leitor é transportado para uma outra realidade, completamente distante e diferente da sua. É pela literatura que ele passeia, sem sair de casa, pelas cidades e paisagens de um outro país e vive a realidade ou o universo metafísico daquela personagem totalmente distinta de seu mundo. Não só descobrimos as nossas diferenças, mas também o quanto somos iguais, apesar da distância e dos costumes desconhecidos. Sendo assim, é indiscutível que a literatura aproxima, amplia, renova, revoluciona a mente do leitor, criando novas formas de pensamentos, ampliando sua visão de mundo e visão de si mesmo.
Além das tramas envolvendo a psique humana e/ou a vida empírica do homem e/ou o mundo sócio-político ou histórico desenrolados no romance e na prosa, a poesia é a expressão mais sublime de um idioma. Trata-se da condensação estética do pensamento sob a inspiração racional ou emocional. A poesia, pela sua raridade, pelo seu valor estético e lingüístico e pelo seu fundamento, representa a essência de um idioma. Em todos as línguas há poesia, é o gênero estético mais antigo da literatura. No Brasil, a poesia é amplamente desenvolvida, alcançando dimensões excepcionais. Entretanto, não há quase nenhum projeto oficial divulgando a poesia com o objetivo principal de manter a sua tradição e evolução, de expandir certas tendências ou temáticas. Sem as indispensáveis oportunidades que propaguem os trabalhos, as propostas intelectuais dos autores brasileiros, muitos deles permanecem desconhecidos, embora apresentem obras de inegável qualidade. Também os clássicos da literatura brasileira são esquecidos, não há nenhuma comemoração oficial da morte de Machado de Assis ou Guimarães Rosa ou Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto e outros. São através desses projetos que a cultura é revivida e enraizada em nossa memória, são esses programas que despertam novos interesses e renovam as lembranças fazendo com que nossa cultura se crave na memória e se firme na tradição.
Ademais, a literatura, assim como as artes plásticas, o cinema, a música ou a dança é, em muitos países, um gênero artístico popular, completamente integrado não só na formação escolar do cidadão, mas também nas atividades de lazer. Na Europa e nos Estados Unidos, onde a literatura goza de tradição e qualidade, a leitura é um hábito corriqueiro cultivado pelas inúmeras bibliotecas e pelas programações literárias, como diversos festivais, leituras públicas com a presença dos autores e discussões na televisão, além das edições de inúmeras revistas especializadas e dos abrangentes artigos nos jornais escritos por autores nacionais e internacionais.
Considerar a literatura como um gênero artístico de difícil acesso no exterior, devido à língua, não corresponde mais à realidade de hoje. Com as facilidades criadas pela internet e pela globalização, o número de tradutores e o nível perfeccionista das traduções aumentaram, a língua não é mais um obstáculo difícil de se transpor.
Valorização e inclusão
Atualmente, o leitor estrangeiro procura o universo brasileiro através da leitura e tem muitas dificuldades em encontrá-la, porque lamentavelmente ela não está presente nos maiores festivais nem nos menores nem nos salões literários nem nos salões das embaixadas brasileiras… simplesmente não está sendo divulgada ao público estrangeiro. Também os escritores estão ausentes, muitos se esforçam para conseguir o financiamento de uma passagem para algum festival, para o qual foram convidados, e dificilmente são atendidos.
Por outro lado, é grande a comunidade brasileira em muitos países europeus, no Japão e nos Estados Unidos. Esses brasileiros não querem perder a identidade e naturalmente procuram transmitir sua cultura a seus descendentes. É também para essa comunidade que a convivência com literatura brasileira deveria ser facilitada.
Desta forma, não é a literatura que é de difícil acesso, não é a língua luso-brasileira que é de difícil acesso, não é o escritor um ser solitário, esquisito, eremita, não é devido à falta de interesse dos leitores ou à falta de verbas que a literatura deixa de ser destacada no exterior, mas a razão está nos apoios financeiros insuficientes e nas escassas iniciativas.
Conforme o exposto, acreditamos que essa deficiência é causada, sobretudo, pela necessidade urgente de maior incentivo e divulgação nessa área. Ocorre que esse gênero artístico está sendo praticamente obscurecido pela política cultural brasileira. Buscamos, através desta carta aberta, alertar o Ministério da Cultura para essa lacuna, chamando a atenção para os procedimentos necessários, em prol da rica e diversificada literatura de nosso país, exigindo o tratamento que ela merece: sua valorização e inclusão nos projetos culturais voltados à divulgação da cultura e realidade brasileira no exterior.
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Os dois primeiros, do Jornal de Poesia; a última, da Agulha – Revista de Cultura