Raquel Afonso da Silva, graduada em Letras, escolheu um tema pouco explorado para a sua tese de doutoramento em Literatura. Em vez de se debruçar sobre livros, ela decidiu examinar cartas que leitores enviaram a autores. O universo da pesquisa englobou correspondências remetidas a três escritores em períodos distintos: Monteiro Lobato, entre as décadas de 1930 e 1940; Pedro Bandeira, nos anos 1980 e 1990; e Ana Maria Machado, entre 2000 e 2005.
O embrião desse estudo surgiu durante a iniciação científica, quando Raquel estudou imagens de infância na obra de Lobato. No mestrado, ela se dedicou às cartas enviadas ao autor e no doutorado ampliou o estudo, acrescentando os outros dois escritores.
Nas três etapas, teve apoio da Fapesp por meio de bolsas. O doutorado foi desenvolvido no âmbito do Projeto Temático ‘Monteiro Lobato (1882-1948) e outros modernismos brasileiros’ apoiado pela Fundação e coordenado pela professora Marisa Lajolo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que foi orientadora de Raquel.
Uma das constatações do trabalho foi o crescimento do papel da escola na correspondência a autores. ‘Escrever para autores foi se transformando aos poucos em uma tarefa escolar’, disse Raquel. Segundo apurou, as cartas a Lobato eram, em sua maioria, enviadas por motivação dos leitores e tinham a família como referencial principal.
A origem de A reforma da natureza
Já nas mensagens a Pedro Bandeira, no fim da década de 1980 e início dos anos 1990, a participação da escola aumenta e, no início dos anos 2000, praticamente todas as cartas de crianças que a escritora Ana Maria Machado recebeu eram de estudantes que as escreveram para cumprir tarefas escolares.
‘Perdeu-se a comunicação íntima e particular pelas cartas’, notou a pesquisadora ao analisar os conteúdos. Entre as correspondências mais recentes há poucas exceções, como cartas de leitoras de livros adultos de Ana Maria Machado. Raquel explica que há uma identificação muito grande do público feminino com a obra adulta da escritora e isso transparece nas cartas.
A pesquisadora também mostrou em seu trabalho a influência que os correspondentes tiveram em algumas obras. Monteiro Lobato se comunicava com uma menina chamada Maria de Lourdes que utilizava o pseudônimo de ‘Rã’. Em uma carta, a garota descreve mudanças que ela gostaria de fazer na natureza. ‘A menina não só virou personagem literária, contracenando ao lado da boneca Emília, como as suas ideias deram origem à obra A reforma da natureza‘, conta Raquel.
A fidelidade do leitor
Influências de correspondentes postais também foram notadas nas obras de Pedro Bandeira. A pedido de leitores, o autor continuou a série com os personagens Karas. Livros como A marca de uma lágrima e A droga do amor contêm tramas inspiradas em sugestões de leitores. ‘A droga do amor foi escrita a partir de um pedido de uma leitora que queria uma história de amor que envolvesse adolescentes’, exemplificou a pesquisadora.
Para Raquel, a correspondência é um importante feedback para os autores, que assim percebem os gostos de seu público e podem direcionar as suas futuras obras.
‘É uma maneira de manter a fidelidade do público leitor’, disse. Segundo ela, as novas tecnologias, como e-mails, twitters e blogs, tomaram o lugar da carta na relação entre escritor e leitor. ‘Seria interessante continuar essa pesquisa usando como fonte esses novos meios’, apontou.
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Repórter da Agência Fapesp