Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Censurar livros, o pior emprego

Tenha pena dos pobres censores de livros no Irã. Desagradando a autores, editores e leitores, eles se deparam com uma lista de livros que precisam ser lidos e aprovados antes de poderem ser distribuídos ao público em geral. A quantidade de obras que aguardam avaliação é tão grande que há rumores sugerindo que elas já ultrapassaram os limites da sala onde são armazenadas no Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica e agora se espalham pelos corredores do edifício.

De acordo com o governo, há cerca de 7 mil editoras no Irã. Mesmo que apenas mil dessas editoras submetessem anualmente cinco livros aos censores cada uma, isso representaria um volume de 5 mil textos para os censores darem conta. Não surpreende, portanto, que uma editora afirme ter cerca de 70 romances e livros de contos à espera da avaliação, enquanto outra diz ter tido nos últimos dois anos entre 50 e 70 livros na fila da censura simultaneamente.

Autores e tradutores dizem que costumam esperar até três anos para que seja tomada uma decisão sobre a adequação de seus livros. O trabalho dos censores sempre foi envolto em mistério, mas comenta-se que nunca há mais de 20 deles trabalhando ao mesmo tempo.

Para piorar a situação, depois que Mahmoud Ahmadinejad foi eleito presidente em 2005, uma de suas primeiras medidas foi exigir que todos os livros aprovados no mandato de seu antecessor, o presidente Mohammad Khatami, fossem revistos, o que criou imensa carga de trabalho atrasado. Os censores tiveram de ler obras já publicadas, além do interminável fluxo de novos títulos, conferindo linha por linha para verificar sua compatibilidade com os ‘valores centrais islâmicos’ que o novo governo queria ressaltar.

Minha tradução de Riso no Escuro, de Nabokov, tornou-se vítima dessa censura retroativa: eram 7 mil exemplares em três edições, mas os censores agora a consideraram ‘impublicável’. O mesmo aconteceu com centenas de outras obras, sejam originais iranianas ou ficções estrangeiras traduzidas para o farsi.

A censura do Estado começou muito antes do governo de Ahmadinejad. Ela não é mencionada na constituição iraniana, mas uma lei apresentada pelo Ministério da Cultura em 1985 está em vigor desde então. Sob essa legislação draconiana, os editores precisam primeiro obter com o ministério uma licença para cada livro que pretendem vender.

Privilégios

Mas, na prática, os censores analisam somente as obras de literatura, de arte e de teoria e crítica literária, que correspondem a cerca de 40% dos livros publicados no Irã. Os textos religiosos e os manuais são isentos de controle, e suas editoras especializadas, em sua maioria com sede na cidade religiosa de Qom, gozam de privilégios como generosos subsídios governamentais. Recentemente, algumas figuras de destaque no mundo da literatura se manifestaram contra a política atual de censura.

Em outubro, Mostafa Rahmandust, autor e tradutor de livros infantis, usou uma coluna no jornal Khabar Daily para chamar as políticas atuais de ‘afronta à inteligência dos leitores’. Enquanto isso, os editores dizem estar frustrados com a recusa do ministério em indicar situações em que a decisão do censor poderá ser favorável. Há quem afirme que esses obstáculos fazem parte de uma estratégia do governo para desestimular a produção literária e rumores, segundo os quais o ministério teria elaborado uma lista negra com os nomes de editoras de destaque, como a Niloofar e a Qoqnoos.

‘Eles pretendem esmagar as editoras mais conhecidas e impedir os autores e tradutores de trabalhar com romances, gênero que consideram corrupto e ocidental’, garantiu um autor e tradutor que quer ter o anonimato preservado. Se esse for de fato o plano, ele não está funcionando.

Como disse recentemente um editor veterano, que também não quis se identificar: ‘Nenhum regime totalitário durou para sempre. Estou no ramo dos livros há 50 anos e não tenho planos de mudar de atividade.’

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Jornalista e tradutor iraniano e escreve para o Institute For War & Peace Reporting, organização sem fins lucrativos que treina jornalistas para trabalhar em áreas em situação de conflito