Luiz Ernesto Wanke e Marcos Luiz Wanke publicaram um livro difícil de encontrar, mas curioso e polêmico. É Brasil Chinês. Nele sustentam que o verdadeiro descobridor da América foi o monge budista Hui Shen, no ano 449. A edição teve apenas 500 exemplares. Na Livraria Ghignone, em Curitiba, à procura de livros que somente lá encontro e para cumprimentar meu velho amigo José, filho e pai de livreiros, o que no Brasil é incomum, dei de cara com a raridade. O livro faz uma pergunta curiosa na pág. 233: ‘O ato de descobrir um território consiste em chegar nele primeiro ou em divulgá-lo para o mundo em primeira mão?’
A resposta exclui Colombo e Cabral da descoberta da América e do achamento do Brasil, respectivamente. A questão é polêmica e retoma a tese levantada pelo britânico Gavin Menzies no livro 1421: o ano em que a China descobriu o mundo (Editora Record, 2003). Não era nenhuma novidade para o missionário batista Hendon H. Harris, que trinta anos antes, examinando raridades numa loja de Taiwan, comprou um mapa onde era descrita a terra de Fu-sang, muito semelhante à América do Norte atual.
Geoff Wade, historiador e professor da Universidade Nacional de Cingapura, não apenas tem escrito desde então muitos artigos para contestar Gavin Menzies, como até fez uma queixa no Reino Unido contra os editores de 1421, ‘que, por marketing, fizeram com que o livro parecesse história’.
O relato de Hui Shen foi retomado em 1761 pelo francês Joseph Guignes em Le Fou-Sang des Chinois – il est l’Amérique? (A Fu-Sang dos chineses é a América?). Desconheço se há tradução deste livro no Brasil. A descoberta da América teria sido atribuída a Colombo no século 19 por imigrantes italianos para serem agradáveis aos americanos.
Portugueses e espanhóis desfrutaram da couvade
Outra pista é o livro do viajante, médico e naturalista francês Raimundo Henrique des Genettes, que visitou uma tribo de índios em 1836, perto das nascentes do rio Manhuaçu. Pois é, índios, designação nascida de um engano de Colombo, que pensou ter chegado à Índia, gerando um engano que prevaleceu até na Carta de Pero Vaz de Caminha. Ali, ouviu de uma criança coropó a palavra ‘tao’ para designar Deus. Eis o registro que fez:
‘Três letras me puseram fora de mim. Tao, em ecualdunak (dialeto basco de origem sânscrita), é o nome venerado de Deus.’
Também o francês Paul Rivet sustenta que os descobridores chegaram pelo Pacífico, não pelo Atlântico. E encontrou notáveis semelhanças entre o quíchua, falado pelos incas, e o sânscrito, a língua sagrada da antiga Índia. Uma, em quíchua como em sânscrito, designa a cabeça. Yana é negro nas duas línguas. Man-na, em quíchua, e ma-na, em sânscrito, são o advérbio não. Sôro, em quíchua, é bebida fermentada; em sânscrito, a mesma coisa é suru. Vicente Fidel Lopes, filho do autor do hino nacional da Argentina, identificou mais de mil palavras de origem sânscrita na língua quíchua.
Não apenas nas palavras são encontrados indícios de que os chineses estiveram na América antes de Colombo. Marco Polo registrou que na China quando a criança nascia, a mãe levantava e ia trabalhar. O pai deitava-se na cama e recebia os cumprimentos, tal como ainda hoje fazem nossos índios. É a couvade, do verbo couver, chocar ovos, do latim incubare, incubar. Pelo jeito, os chineses descobriram a América e o Brasil, e portugueses e espanhóis desfrutaram da couvade um milênio depois e até hoje continuam recebendo os cumprimentos.
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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras