Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como as palavras podem resistir às ameaças

‘Nada favorece mais a escravidão do que a perda da linguagem’ (Ivonne Bordelois em A palavra ameaçada)

Em um tempo de banalização total da noção de ameaça, desconfio quando mais uma voz vem se somar às banais queixas de um fim, muitas vezes injustificado, seja ele do que for. Não é o que acontece com a elegante e simples – por isso mesmo agradável – exposição de idéias que faz Ivonne Bordelois em seu A palavra ameaçada, recém-traduzido e editado pela Vieira & Lent.

Bordelois, com refinada lucidez, lembrando que ‘as relações existentes entre as palavras são, ao mesmo tempo, espelho e modelo de nossas próprias relações com o universo’, ilustrando seu texto ao longo de todo o percurso argumentativo com exemplos etimológicos, corrobora a sua tese de que aí, onde valorizamos a história de cada palavra, reside a nossa única possibilidade de utilização plena da linguagem e, por extensão, de manutenção do nosso lugar no universo. Junta-se a Heidegger e a Foucault (e tantos outros) quando pontua que ‘o homem não fala a linguagem, mas a linguagem fala o homem’, só ela é revolucionária e manter-se na linguagem é sem dúvida o ato maior de resistência (hoje) possível.

A despeito do título

Trata-se de um passeio nada pessimista sobre o hodierno empobrecimento do uso das palavras e um lembrete do poder libertador e empoderador da linguagem. Principalmente, de um estado de consciência crítica do uso das palavras de uma língua, que é o estágio primeiro de um estar crítico no mundo.

Só aqueles que compreendem a dimensão desse lugar da linguagem são capazes de analisar as ameaças às quais a palavra se encontra hoje exposta e diagnosticar que não há um fim possível das palavras de uma língua, há sim, e talvez ainda pior que o sumiço de algumas palavras do uso cotidiano de grande parte das pessoas de uma mesma comunidade lingüística, um empobrecimento proliferado a um nível máximo entre tais membros dessa comunidade. Não cabendo aqui, pela brevidade da exposição e pelo foco desta resenha, refletir sobre aspectos políticos que comandam tal empobrecimento, que desemboca num empobrecimento das próprias identidades, já que os sujeitos se constituem através da linguagem (Lacan).

Por fim, ressalto a relevância da publicação de tais textos, que, trazendo à reflexão uma discussão tão necessária, o faz por meio de argumentos leves e sem o tom restrito de academicismos distanciadores, principalmente para o grande público. O texto de Ivonne consegue se aproximar de qualquer leitor que, interessado em pensar a questão da manipulação de seu discurso e de algumas formas possíveis de autonomia individual, encontra a possibilidade de um diálogo agradável e, no fim das contas, mais otimista que pessimista – a despeito do título do livro.

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Graduada em Letras