[do release da editora]
O novo livro do jornalista e professor Venício A. de Lima, publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo, tem dois focos principais. Na primeira parte, a atuação da mídia brasileira na crise política vivida a partir de 2005 no Brasil; e na segunda, a análise da estrutura do sistema brasileiro de mídia, que se caracteriza pela concentração e pela internacionalização.
Para o autor a crise política que o país viveu desde maio de 2005 se enquadra no conceito de ‘escândalo político midiático’, ou seja, ‘não existiria se não fosse na e pela mídia’. Por meio de uma narrativa própria – omitindo ou salientando fatos importantes –, empresas de mídia e jornalistas em geral exacerbaram sua missão investigativa e classificaram todo o processo a partir da presunção de culpa antes mesmo de qualquer confirmação das denúncias, gerando falhas no quesito ético da profissão.
Com base nisso, na primeira parte do livro são registradas omissões, saliências e distorções no trato da informação e da crise em geral. Além disso, Venício retoma suas sete teses sobre mídia e política no Brasil e aborda ainda a intimidade da TV Globo com o poder, que perdura há 40 anos, apresentando quatro hipóteses sobre o poder das Organizações Globo.
Na segunda parte do livro, o autor analisa a estrutura do sistema brasileiro de mídia, abordando sua concentração e internacionalização, e demonstrando a histórica ausência de regulação que permitiu a consolidação dos grandes grupos do país. O difícil caminho para a democratização da comunicação no país é apontado na denúncia da manutenção de concessões de emissoras de rádio e TV nas mãos de parlamentares que deveriam, segundo afirma Alberto Dines no prefácio do livro, fiscalizar a distribuição dessas concessões. Venício A. de Lima apresenta um levantamento dos deputados e senadores concessionários de emissoras de rádio e TV – muitos dos quais no Congresso Nacional legislam em causa própria, ou seja, na condição de concessionários decidem sobre a renovação de concessões.
Na última parte do livro, o autor apresenta a polêmica sobre mídia impressa e televisiva. Qual delas é a mais importante para a formação da opinião pública brasileira? É o questionamento que Venício tenta responder.
Velha questão
Mídia: Crise política e poder no Brasil
reúne sete textos escritos pelo professor e jornalista Venício A. de Lima entre 2004 e 2006. Quatro deles nunca foram publicados e os outros três foram reescritos e atualizados. Dividido em três partes, vários dos temas abordados no livro têm sido tratados pelo autor em artigos no Observatório da Imprensa, do qual é colaborador regular.Na Parte I, é abordada a relação entre mídia e política. O título do Capítulo 1 já deixa clara a forma como Venício A. de Lima analisa a cobertura da crise política: presunção de culpa. Ele utiliza o conceito de escândalo midiático de Thompson e, além de analisar a narrativa específica que foi construída pela mídia e casos gerais de omissão, saliências e distorções, mostra exemplos de coberturas específicas das revistas Veja e Época, do Jornal Nacional da TV Globo, dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo e da imprensa como um todo.
No Capítulo 2, o autor revisita um texto no qual trabalha há anos sobre as relações da mídia com a política. São sete teses que vêm sendo desenvolvidas e atualizadas. No Capítulo 3 são analisados casos específicos de envolvimento direto da tv Globo com o nosso processo político. São casos documentados e de conhecimento geral (eleições no Rio de Janeiro em 1982, cobertura da campanha das Diretas Já e a ‘nomeação’ de Maílson da Nóbrega para ministro da Fazenda de José Sarney).
Na Parte II, o Capítulo 4 trata especificamente da concentração da mídia brasileira, explorando a histórica ausência de regulação que permitiu a consolidação dos grandes grupos do país. E trata também da internacionalização desses grupos, que se tornou legal com a aprovação da Emenda Constitucional nº 36. O Capítulo 5 analisa a questão dos políticos concessionários de radiodifusão e da proposta de legalizar a prática com uma mudança na Constituição.
Na Parte III, o Capítulo 6 faz uma análise da cobertura das eleições de 2002 pelo Jornal Nacional, explorando a retórica da responsabilidade social que passou a ser usada pelo programa noticioso. O Capítulo 7 discute provocativamente a velha questão sobre qual dos dois veículos é mais importante para a formação da opinião pública no Brasil: o jornal ou a TV.
O autor
Venício A. de Lima é sociólogo, jornalista e publicitário. Mestre, doutor e pós-doutor em Communications pela University of Illinois at Urbana-Champaign, onde trabalhou com James W. Carey, Thomas Guback e Clifford Christians. É também pós-doutor pela University of Miami-Ohio.
Professor titular de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília (aposentado), foi fundador, primeiro coordenador e é pesquisador sênior do seu Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP). Membro do Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da Comissão de Liberdade de Imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal. Articulista semanal do Observatório da Imprensa, é autor de Comunicação e cultura: as idéias de Paulo Freire (Paz e Terra, 1981; 2a. ed. 1984); Comunicación y política en América Latina (Edição do Autor, 1993); Mídia: teoria e política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2001; 2a. ed. 2004) e Comunicação e televisão – Os desafios da pós-globalização (Editora Hacker, 2004, com Sérgio Capparelli).
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Prefácio
Alberto Dines
Os estudos de Venício A. de Lima sobre a concentração da mídia e o coronelismo eletrônico são fundamentais para entender as deficiências da democracia brasileira. Quando o sistema de comunicação social de uma sociedade não consegue alcançar um mínimo de diversificação e quando a distribuição das concessões para a mídia eletrônica é viciada pela ilegalidade e pelos conchavos, ficam liminarmente comprometidas as condições essenciais para o equilíbrio institucional e o Estado de direito.
A crise política brasileira não é episódica, é contínua e não foi resolvida pela redemocratização. Ao contrário, foi até agravada porque, a partir de 1985, a distribuição de canais de rádio e TV passou a funcionar de forma ostensiva e regular como moeda de troca para a cooptação do Legislativo pelo Executivo.
Como conseqüência, parte do nosso sistema de comunicação social, e justamente aquela com maior penetração popular, perdeu sua independência e sua capacidade de funcionar soberanamente. Sucedem-se as temporadas de escândalos no Congresso, mas o escândalo maior, orgânico, é a sobrevivência da inconstitucionalidade que permite aos congressistas – teoricamente encarregados de fiscalizar a distribuição de concessões – desfrutar do privilégio de serem concessionários de um serviço público. Atentado ao pudor, à isonomia entre os cidadãos e evidência de uma anomalia que põe sob suspeição todo o processo de distribuição de informações.
Ironicamente, foi no mandato de José Sarney, no primeiro governo dito democrático, que o fenômeno do coronelismo eletrônico ganhou dimensão e visibilidade convertendo-se numa das alavancas do processo de concentração da mídia. O paradoxo não é casual, revela uma deterioração que só a sociedade civil, o Judiciário e a imprensa – mas não a mídia – poderão estancar.
Venício A. de Lima dedica-se há alguns anos a desvendar esse emaranhado de ilicitudes, mas também em trabalhar para a sua extinção. O acadêmico laureado não se satisfaz com o pioneirismo de seus estudos teóricos, por isso empenha-se com igual disposição e garra cidadã em operar as ferramentas para combater a grande disfunção do processo de comunicação no Brasil.
Sem pluralismo na geração e na difusão da informação não existe uma verdadeira democracia representativa. E sem um arcabouço democrático confiável, torna-se quase bizantino o debate sobre a qualidade da informação e a objetividade das coberturas jornalísticas.