O primeiro jornal brasileiro a um toque do mouse. Passados 201 anos de seu lançamento, o Correio Braziliense ou Armazem Litterario, redigido por Hipólito da Costa em Londres até 1822, está disponível integralmente na Brasiliana Digital, como parte do amplo projeto da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo (USP). Seus 175 números podem ser consultados e copiados gratuitamente (em definição alta ou baixa), sem necessidade de cadastro ou autorização.
A Brasiliana Digital desenvolve avançadas ferramentas de pesquisa: é possível fazer busca por palavras nos arquivos, ou seja, não são apenas páginas capturadas em formato de imagem, mas o acesso se dá como texto, facilitando assim a consulta.
É conhecida a importância e a originalidade do Correio, que teve grande impacto no mundo luso-brasileiro. Tratava-se de um periódico de opinião explícita, que praticava o debate público, defensor das modernas liberdades, em contraponto às tradicionais gazetas de Antigo Regime, ainda que houvessem importantes pontos em comum entre os dois tipos de publicação. A circulação de tal veículo pioneiro era formalmente proibida e perseguida no Brasil e em Portugal, o que não impediu que circulasse, inclusive entre as autoridades.
Esperança e incerteza em época de crise
O Correio Braziliense lembra pouco um jornal de nossos dias. Cada número se compunha de um volume, mensal, apresentando em média entre 72 e 140 páginas, embora alguns tenham ultrapassado 200. Era dividido em quatro seções gerais: Política, Comércio e Artes, Literatura e Ciência e, ainda, Miscelânia (que se subdividia em Correspondência e Reflexões).
O Correio, sem dúvida, está ligado às condições que resultaram na independência do Brasil, ainda que só nos últimos momentos tenha apoiado a separação de Portugal. Todas as conjunturas e episódios dos 14 anos em que o jornal circulou estão ali devidamente registradas, analisadas, criticadas: as guerras napoleônicas, os combates pelas independências na América espanhola, a implantação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, a República de 1817 nas ‘Províncias do Norte’, o liberalismo político e econômico, o surgimento da imprensa no Brasil e, sobretudo, a expansão econômica do império britânico. Deste modo se compreende o subtítulo de ‘armazém’, na medida em que o periódico tornou-se um amplo repositório de documentos preciosos da época.
Nas páginas redigidas por Hipólito da Costa, vibram tensões, incertezas e esperanças. Era uma época de crise, instabilidades e expressivas transformações: impérios que ruíam ou se reestruturavam, nações que se formavam.
O Correio Braziliense já ganhara uma edição impressa em fac-símile, coordenada por Alberto Dines, oito anos atrás, em 31 volumes, dos quais o volume 30, em dois tomos, traz artigos e ensaios sobre o jornal e seu redator e o 31 a reimpressão do Índice.
Documentos raros em biblioteca digitalizada
Ainda em fase inicial, a Brasiliana Digital já tem mais de 3 mil documentos disponíveis. É possível acessar o primeiro livro impresso em terras brasileiras, por Antonio Isidoro da Fonseca, em 1747: Relação da entrada que fez o excellentissimo, e reverendissimo senhor D. Fr. Antonio do Desterro Malheyro…, cuja tipografia foi confiscada pelas autoridades coloniais. Destacam-se, ainda, dois dicionários raros da língua portuguesa: o de Rafael Bluteau (1712) e o de Antonio Moraes e Silva (edição de 1813), considerado o primeiro dicionarista brasileiro. E também as obras de Machado de Assis integram a biblioteca digital: contos, poesias, teatro e romances, em suas primeiras edições. Sem esquecer as gravuras de Jean-Baptiste Debret, que pintou a sociedade brasileira no início do século 19.
Esta iniciativa surgiu a partir do gesto do conhecido bibliófilo José Mindlin, que doou sua coleção relativa ao Brasil para a USP, com a contrapartida da construção de um prédio para abrigá-la, tarefa assumida e em fase de execução pela universidade, com reforço substancial de patrocínios públicos e privados: a construção do imóvel já pode ser acompanhada ao vivo pela internet. O projeto engloba não só a digitalização desta maior biblioteca particular do Brasil, mas também da própria USP e de outras instituições, com previsão de se tornar uma dos mais amplas referências de impressos digitalizados da atualidade. Endereço eletrônico: http://www.brasiliana.usp.br/.
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Historiador