Por medida de segurança, toda vez que ouço ou leio a expressão ‘imprensa burguesa’ me empertigo e adoto posição de defesa e alerta. Não se trata de atitude preconceituosa ou ideológica, mas o contrário: defendo a preservação da minha liberdade e a garantia de minha autonomia em relação às diversas tendências editoriais, sejam elas quais forem. Meu cuidado em relação à autonomia se estende à mídia estatal, à mídia institucional, à mídia sindical, à mídia de mercado e a todas as nuances do que se tenta englobar como mídia pública.
A expressão ‘imprensa burguesa’ carrega um viés ideológico surrado que só. Até porque esta mesma imprensa, dependendo de como atua, é aplaudida ou condenada pelos seus detratores. Veja-se o caso da inclusão de Lula na lista das 25 personalidades mais influentes pelo New York Times. O fato foi saudado até a exaustão pelos que apóiam o presidente e seu governo. Mas ninguém se lembrou de dizer que a láurea, se assim se pode chamar, partiu do jornal que poderia ser classificado como líder mundial disso aí que acusam de ser ‘imprensa burguesa’. Ao mesmo tempo, publicações da Editora Abril (dirigida por um dos líderes tupiniquins da ‘imprensa burguesa’, um certo Victor Civita) já incensaram Lula, lembrando as boas realizações de seu governo.
A contracorrente da desqualificação
Jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S.Paulo já enalteceram os méritos da equipe econômica e brindaram os bons resultados da economia brasileira que permitiram ao país passar praticamente incólume pelo tsunami gerado pela bolha imobiliária norte-americana. Mas, ainda assim, essa imprensa é sistematicamente acusada de ‘burguesa’ e golpista toda vez que aponta o dedo para atos de corrupção ou para as bobagens cometidas por Lula, membros de sua equipe ou por Dilma, esta que tenta pegar o bastão e fazer o revezamento. Curioso, mas foi nessa mesma imprensa que eu fiquei sabendo de denúncias contra Serra por propaganda antecipada ou o ato politicamente correto (depois desmentido) de associar fumantes a ateus. O que teria ocorrido? Fogo amigo?
Tudo isso escrevo pela singela razão de que os veículos de comunicação de todos os matizes, agora desapeados da condição de quarto poder com a popularização da internet, passaram a ser fiscalizados com muito mais cuidado. Mas, ao mesmo tempo, surgiu uma contracorrente que busca na desqualificação desses mesmos veículos a afirmação de suas convicções ideológicas. Para me proteger disso, adoto as providências mencionadas nas primeiras linhas deste suelto.
Na dúvida, não ultrapasse
Como diria um certo Caetano Veloso, esse papo já tá qualquer coisa. Há momentos em que me arrepiam certas posturas editoriais dos jornalões e das revistonas, reacionárias que só. Mas toda vez que isso acontece tento me lembrar da campanha das Diretas Já, liderada por uma das mais bravas representantes da imprensa burguesa, a Folha de S.Paulo (a mesma que colaborou vergonhosamente com a ditadura, como registra a história). Ou das receitas de bolo e trechos de Camões como forma de resistência à censura publicados pelo centenário Estadão. O mesmo Estadão que brada em favor da livre iniciativa e de vez em quando mete a peia nas baboseiras do atual governo, este que se diz de esquerda.
Contradições? Sim, elas existem, são naturais do bicho-homem, que faz os jornais e as salsichas. Na dúvida, como recomenda o Detran, não ultrapasse. Mantenha o desconfiômetro ligado para os que condenam a imprensa burguesa, que faz parte do PIG – o Partido da Imprensa Golpista. E mantenha ligado o pisca-alerta para os que colocam em campos opostos (e não complementares) mídia pública e mídia privada. Se considerarmos o fato de que toda vírgula encobre uma opinião e defende uma fatia de interesse, o melhor é manter sempre um pé atrás em relação a todas as mídias – a golpista, a burguesa, a estatal, a chapa-branca, a institucional e a que pretende ser pública. E vamos viver a vida.
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Jornalista, professor e poeta