Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Deonísio da Silva

‘As bulas de remédios são inúteis para os consumidores. Além de trazerem informações desnecessárias e assustadoras, vêm carregadas de advertências confusas, que podem abalar a confiança que os clientes têm nos médicos. O objetivo é fornecer argumentos aos advogados dos laboratórios em eventuais ações judiciais. Os consumidores que se danem.

A bula deveria prestar informações indispensáveis aos consumidores. Mas não o faz com eficiência. A primeira dificuldade é o tamanho das letras. Antes de tomar o remédio – os redatores das bulas diriam ‘ingerir o medicamento’ – o cliente deve lembrar-se da relação de Jesus com as crianças e exclamar ‘vinde a mim as pequeninas’.

Quem lê as bulas? Quase sempre as pessoas mais velhas. Ou porque vão tomar aqueles remédios ou porque vão administrá-los a quem, mesmo sabendo ler, não entenderia o que ali vai escrito. Os laboratórios não pensaram nisso ao escolher letras tão pequeninas. Ou pensaram e quiseram economizar papel. Seus consultores diriam ‘otimizar recursos’.

O cliente toma óculos ou lupa e começa a difícil tarefa de ler a bula. Na compra do remédio – os marqueteiros dos laboratórios diriam ‘produto’ – houve dificuldade prévia. O balconista foi obrigado a decifrar os garranchos do médico. Como é que a sociedade brasileira tolera tamanha desconsideração e irracionalidade? A simples troca de letras pode transformar um remédio em veneno. E muitos médicos prescrevem suas receitas numa caligrafia incompreensível.

Um dia desses fui surpreendido com insólita metodologia de interpretação. Balconista e escritor tentavam ler o que certo doutor prescrevera a uma velhinha que, como a mãe do presidente Lula e todas as outras do universo, nascera analfabeta e ainda não tinha aprendido a ler. Foi então que uma luz desceu sobre a mente da balconista. ‘Ah, esta receita é do doutor Fulano de Tal’. Ela sabia que aquele médico receitava sempre o mesmo remédio! O estilo, no léxico, lembrava o de Marcel Proust na sintaxe!

Cápsula, drágea, posologia, solução oral, ingestão concomitante etc, eis amostras de palavras e expressões muito freqüentes em bulas. Quem as entende? Na bula de uma pastilha, que sequer entrou numa escola de judô e por isso não tem faixa preta, lemos esta maravilha nas indicações: ‘nas irritações e dores orofaríngeas oriundas de infecções ou processos cirúrgicos, como auxiliar no tratamento de angina de Vincent’. Modestos, os pesquisadores dão o próprio nome às doenças que identificaram. O médico francês Henri Vincent estudou a angina e morreu aos 88 anos. Terá chupado muito a tal pastilha? Com faixas vermelhas ou pretas, os remédios custam sempre uma nota preta.

A bula tem uma história curiosa. Veio do latim e significa bolha. As primeiras bulas eram marcas feitas com anel para autenticar documentos oficiais e tinham a aparência de bolhas. Bola em latim é bulla. Foi o rei francês Luís II, o Gago, que entre 877 e 879 denominou bula o selo real. Afinal, semelhava uma esfera ou bola.

Antigamente a embalagem mais comum dos remédios era uma garrafinha. Pendurada num cordão vinha a bula que tinha o fim de atestar que não era uma garrafada, era um remédio oficial. A garrafinha passou a ser denominada frasco. A substância, que era líquida, passou a ser oferecida em comprimidos.

A linguagem das bulas dos remédios deixou de defender os fracos e oprimidos. Hoje, só defende os frascos e comprimidos, como já ironizou antiga peça publicitária.

A Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – parece nome de cartão de crédito – tomou a iniciativa de modificar as regras para a redação das bulas. Que os laboratórios chamem profissionais que saibam escrever.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

Estragos do ‘Catarina’’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/04/04

‘Nosso considerado leitor José Paulo Nunes Cordeiro Tupynambá concorda com aquela assertiva segundo a qual quem está na chuva é pra se molhar, porém alguns exageram; é o caso do redator de Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Nesta segunda-feira (29/3), em seu site na Internet, o jornal abriu da seguinte forma a notícia sobre os estragos do ‘Catarina’:

‘O ciclone extratropical que atingiu os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com ventos de até 150 quilômetros por hora na madrugada de ontem, provocou a morte de um adulto e uma criança, destruiu 20 mil residências e deixou centenas de famílias desabrigadas.’

Tupynambá, que tem nome de índio mas é esperto como militante dos Sem Terra, estranhou: ‘É muita casa vazia, não é mesmo?’

É verdade; vinte mil casas destruídas e somente ‘centenas de famílias desabrigadas’. Porém, como verificou Janistraquis, o fenômeno meteorológico, que os especialistas ainda não sabem se foi tufão, furacão, ciclone, tornado, tempestade ou apenas uma chuvarada da gota serena, também deixou muitos repórteres de televisão ao relento da notícia.

Nas entrevistas, o lead mais inteligente e recorrente foi: ‘Dona fulana ainda não esqueceu o desespero que viveu…’. A cada vez que ouvia tal bobagem (e foram tantas!), meu secretário clamava: ‘Mas como dona fulana poderia esquecer, se tudo aconteceu ontem?!?!?!?’.

O melhor da TV

Depois de semanas e semanas a trocar de canal, em busca de um bom programa esportivo, Janistraquis elegeu o seu preferido: ‘Considerado, em matéria de informação e humor, ninguém bate Loucos por Futebol, que a ESPN Brasil exibe de quinze em quinze dias, às 22h45 dos sábados.’

Concordo. O único defeito do programa é não ser pelo menos semanal, para o telespectador se instruir e se divertir com essas verdadeiras enciclopédias do futebol que são Roberto Porto, Marcelo Duarte, Paulo Vinícius Coelho e Cláudio Arreguy. A apresentadora Adriana Saldanha conduz o timaço com simpatia e competência e ainda opera com habilidade sua câmera, digamos, ‘intimista’.

Infelizmente, Loucos Por Futebol não será apresentado neste sábado, dia 3; voltará, porém, no dia 10. Quem ainda não viu, aproveite para ver e diga se Janistraquis e eu não temos razão!

Como é mesmo??????

Deu na Folha Online e Janistraquis, previdente como Zé Dirceu, guardou em arquivo indevassável:

Erramos: Em turnê ‘rodoviária’, B.B. King faz 5 shows neste mês no Brasil.

Diferentemente do que informou a matéria ‘Em turnê ‘rodoviária’, B.B. King faz 5 shows neste mês no Brasil’ , a frase ‘a Terra é azul’ foi dita pelo cosmonauta russo Yuri Gagarin, e não por Neil Armstrong.

Janistraquis comentou, com desalento: ‘Considerado, o Erramos de nada adianta para os que, como eu, achavam que a frase era do Renato Russo…’.

Eu manti, ele manteu…

Considerado leitor que se assina D@o Oliveira escreve à coluna:

‘Dia desses, estava lendo a matéria Novela bate recorde de mechandising no caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, quando deparei com a seguinte frase:

(…) Se manter o ritmo, o que é muito provável, Celebridade chegará ao fim com pelo menos 22 merchandisings a mais do que Mulheres Apaixonadas.

Considerado Janistraquis, corrija-me se estiver errado, mas o verbo manter não se conjuga como o verbo ter? Nesse caso, a palavra certa é mantiver.’

Janistraquis tem certeza de que é mantiver mesmo, D@o; do contrário, iríamos conjugar o verbo assim: Eu manti, tu manteste, ele manteu…

Militantes, volver!

O diretor de nossa sucursal cearense, Celsinho Neto, despachou lá do escritório da Praça do Ferreira, onde mantém rede permanentemente armada:

‘Considerado Janistraquis, na onda da ordem unida e de ‘ordem e progresso’, e na tentativa de ajudar na luta pela segurança pública e nacional, eis que o nosso Diário do Nordeste criou uma nova classe de militar. Em matéria sobre o depoimento da moça que sapecou uma torta na lata do ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, mandou essa:

Com faixas, cartazes e auxiliados por um carro-de-som, militares de partidos políticos e de sindicatos passaram todo o tempo que durou o depoimento se revezando em discursos repudiando a abertura do inquérito contra Verônica.

O depoimento ocorreu na Polícia Federal. Quem sabe, por pouco, não houve um confronto entre os meganhas federais e os militares dos partidos políticos e de sindicatos? E olhe que a Constituição proíbe filiação partidária e sindicalização dos servidores públicos militares…’

Janistraquis adorou: ‘Considerado Celsinho, tem partido político por aí cujo obscurantismo é tão espetacular que os filiados estão mais pra militares do que pra militantes…’.

Imposições

Nosso mestre Roldão Simas Filho, diretor da sucursal desta coluna no Planalto, de onde se pode avistar o banheiro do escritório onde agia Waldomiro, leu no Correio Braziliense:

O uso de transgênicos deve ser liberado?

SIM.

Norman Borlaug:

‘O Brasil, se impor (sic) regras muito duras à pesquisa e à comercialização de transgênicos, vai ficar para trás em termos econômicos, tecnológicos e, sobretudo, nas iniciativas de combate à fome.

Comentário de Roldão: ‘E também mais atrasado no conhecimento e uso do seu idioma.’

É verdade, mestre Roldão, é verdade. E Janistraquis tem certeza de que o ‘fechador’ da matéria do Correio foi o mesmo redator da Folha que comentou o excesso de merchandising na novela Celebridade (releia nota acima).

De fundadores

Diretor de nossa sucursal paulistana, na Avenida Paulista, de onde se pode ver manifestação de motoqueiros a atrapalhar o trânsito, Daniel Sottomaior nos enviou esta pérola colhida nas páginas do seu jornal preferido:

‘Ao traduzir artigo de Jamin Raskin no Los Angeles Times, o Estadão nos informou que os EUA possuem ‘pais fundadores’, aparentemente sem perceber que essa expressão não faz sentido algum em português.

Founding father é o nome que se dá aos membros da assembléia constituinte americana de 1787 e, provavelmente por extensão, se aplica a todo homem que funda ou estabelece alguma coisa. A única tradução possível é fundador.’

e Progresso

Meu secretário, que anda cheio de amor pra dar, concorda ‘em parte’ com sua alma irmã, o senador Eduardo Suplicy: ‘Considerado, acho até legal a gente enfiar mais uma palavra bem arretada na bandeira do Brasil, pra ficar ali juntinha, apertadinha, abraçada à ordem e ao progresso, numa, digamos, suruba cívica. Porém, é obrigatório que metam uma vírgula, pra ficar mais gostoso. Assim: AMOR, ORDEM E PROGRESSO.’

Nota dez

O melhor texto da semana flui do talento impetuoso de Arnaldo Jabor em sua coluna de O Globo (http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/jabor.asp):

Em 64, acordo de um sonho para um pesadelo

Estou no passado – há 40 anos. São onze e meia da noite do dia 31 de março de 64 e eu assisto a um show que inaugura o teatro da UNE, com Grande Otelo e Elza Soares, para celebrar o socialismo. Acho estranho que festejem uma vitória sem poder ainda. Mas um companheiro me abraça eufórico: ‘Já derrotamos o imperialismo; agora só falta a burguesia nacional!’ Não vejo o Tio Sam de joelhos ali, mas fico animado: ‘Viva!’. Estou felicíssimo: tenho 20 anos, o socialismo virá, sem sangue, sem balas e com a ajuda do governo do Jango. ‘Minha vida está começando’, penso, ‘e conscientizarei as massas pobres do país’. Vou para casa e voltarei cedo à sede, onde haverá uma reunião às 9 da manhã(…).

Errei, sim!

‘COLEGA DE INFORTÚNIO – Nosso considerado Alexandre Garcia, que tem vivido seus dias no Congresso entre heróis do sertão e outros nem tanto, admirou-se ao saber que o grande chefe apache Gerônimo foi, de certo modo, colega de infortúnio do ex-deputado João Alves & Asseclas. Pelo menos foi o que informou o Correio Braziliense, nesta histórica (em todos os sentidos) legenda: Líder dos apaches, Gerônimo foi cassado por milhares de soldados americanos.’ (junho de 1994)’



ASSESSOR vs. REPÓRTER
José Paulo Lanyi

‘A reportagem natimorta’, copyright Comunique-se, 5/4/04

‘Na semana passada, esta coluna tratou de um fenômeno persistente e, talvez até por isso, importante na relação entre os profissionais de redação e alguns assessores de imprensa: a ‘fuga’ para evitar uma resposta e forçar a derrubada da pauta (leia abaixo ‘Assessor foge, pauta cai’). Hoje, sublinhará aspectos que não são lá muito meritórios para uma turma que trabalha nos veículos.

Ao contrário do que se viu em determinados comentários postados por colegas, não se quer aqui estabelecer uma rixa entre a redação e a assessoria. Primeiro, porque isso é de um maniqueísmo adolescente, de fato não leva a nada, a não ser a uma atmosfera de rivalidade que pode arruinar o que se conquistou à base de respeito e de cooperação mútuos; segundo, porque é irreal, deixamos a verdade de lado para insuflar a polêmica gratuita. Isso não interessa nem ao repórter, nem ao assessor, pois todos saem perdendo.

Mas, se há distorções, devemos falar delas. Ou não? Então, vamos lá. Trabalho há mais de uma década em televisão. Já era tempo de notar uma mínima mudança de mentalidade no trato com as fontes (assessores incluídos, claro).

Quando alguém decide por uma pauta, pensa no jornal, no próprio programa, no resultado que o assunto proporcionará à emissora. Muito bem, nenhum agravo. O problema é que, para chegar a essa finalidade, gente de fora – quase sempre pessoas de bem, responsáveis, ocupadas – tem que colaborar para que as coisas andem, ou seja, para que a reportagem seja feita. Isso é óbvio? É, mas muita gente se esquece, se é que algum dia chegou a pensar com o respeito que a questão exige.

O fato é que mobilizamos os assessores, as nossas fontes, os nossos entrevistados como se, não havendo matéria, o mundo fosse acabar no dia seguinte. Eis que, solícitos e preocupados em nos atender, todo mundo corre, desmarca compromissos (por vezes, viagens), vai atrás de dados, mobiliza pessoal, providencia estrutura, compromete o tempo de um grupo para que as coisas andem e a reportagem seja feita.

E o que ocorre na hora da entrevista, em muitas e muitas ocasiões? O editor decide derrubá-la, por vários motivos (descobriu assunto melhor, teve de deslocar a equipe para cobrir um ‘factual’, percebeu que, afinal, a pauta não era tão boa assim, ou que pode ser feita em um outro dia).

Desmarcar é ruim, embora compreensível, dependendo da situação. Terrível mesmo é ninguém da emissora pegar o telefone para avisar os entrevistados. Isso acontece com uma freqüência inimaginável. Porque é normal? Sim, porque é ‘normal’, fruto de uma cultura de redação calcada na arrogância.

São colegas que, pateticamente equivocados, acham que, lá fora, todos existem para nos servir. Não há outro compromisso, senão com a engrenagem do jornal. No entanto, enganam-se, se pensam que ajudam muito. Antes, ‘queimam’ o veículo em que trabalham. É vergonhoso receber uma ligação de um desses entrevistados reclamando, até xingando, e sermos obrigados a concordar: somos desrespeitosos, nojentos, cheios de marra. Tratamos as nossas fontes como nossos lacaios. Mastigamos e cuspimos no lixo, sem nos preocuparmos com o destino, com o dia-a-dia das pessoas.

Esse fato é apenas um sintoma da percepção reinante: jornalistas podem tudo; os ‘outros’ só existem para que possamos sorrir, superiores, ao vermos que o nosso trabalho é genial.

Alguns cuidados são úteis para evitar a desmarcação (quando alguém se dá o trabalho de desmarcar). Um deles é avaliar o que se poderá ter, de forma realista. De que adianta cobrar informações que, qualquer um saberia, não teremos na reportagem? Resultado: mobilizam-se várias fontes, marcam-se entrevistas e, por causa de uma falha de perspectiva, obriga-se a voltar atrás.

Outra coisa condenável é deixar-se levar pela rotina de, na falta de um tema mais forte, cobrir-se com o mais fraco para, no dia seguinte, derrubá-lo facilmente com o primeiro fato morninho da jornada. Lembre-se: pauta fraca também movimenta as fontes que não vingarão. É transtorno tão certo quanto evitável.

– Pô, mas isso acontece, você faria o mesmo! – Se não houvesse jeito, sim, respondo eu. Mas a exceção virou regra na cabeça de muito editor que tenho conhecido ao longo dos anos. Planejamento é essencial, mas alguns não sabem o que é isso. Preferem sacrificar ‘gente de fora’ a fortalecer o jornal com reportagens que poderiam ser produzidas ao longo do tempo.

Assim tem sido, assim continuará a ser, se não nos dermos conta de que somos trabalhadores, como os padeiros, os médicos, os mecânicos, os porteiros, os árbitros de futebol, os sapateiros…’