Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Dicionário do movimento operário

Foi lançado pela editora Fundação Perseu Abramo o Dicionário do movimento operário – Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920 – militantes e organizações. A obra apresenta verbetes com informações biográficas de militantes e históricos de organizações da cidade do Rio. O período abordado vai desde 1830, aproximadamente, até 1920. O dicionário contém informações sobre organizações de cunho sindical, beneficente, educacional ou político.


Nas 839 entradas nominais estão registros como nome e sobrenome, cor, profissão, orientação política, obras escritas, dados sobre a vida e atuação e outras informações. São nomes de trabalhadores de diferentes ocupações e categorias, muitos deles participantes de diferentes agremiações sindicais e políticas. São militantes nem sempre reconhecidos nos registros da história do país, mas pessoas que tiveram participação no movimento operário do Rio de Janeiro.


O verbete dedicado a José Francisco da Veiga, por exemplo, registra que ele era tipógrafo socialista, integrante da Associação de Socorros Mútuos ‘Liga Operária’. Foi também proprietário do jornal Gazeta Operária, que tinha como subtítulo ‘Orgam dedicado especialmente aos interesses dos Artistas e Operários’.


Informações sobre o coordenador


A segunda parte do dicionário revela a história de quase 400 organizações de trabalhadores. Traz, sempre que possível, informações como data de fundação, local de atuação e endereço da sede, entre outros.


O dicionário é o 16º livro da Coleção História do Povo Brasileiro.


Claudio H. M. Batalha é licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Foi colaborador do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (1930-1983). É autor de O Movimento Operário na Primeira República (Jorge Zahar, 2000) e co-organizador de Culturas de Classe: Identidade e diversidade na formação do operariado (Editora da Unicamp, 2004). É professor do Departamento de História da Unicamp desde 1986 e integra o Centro de Pesquisa em História Social. Foi diretor do Arquivo Edgard Leuenroth.


***


Experiências comuns e situações particulares


BoletimNPC – Qual a importância de se lançar um dicionário resgatando a memória do movimento operário na cidade do Rio?


Claudio Batalha – A importância de um dicionário desse gênero é mostrar o vigor, a riqueza e a diversidade desse movimento. Busca contemplar não apenas os militantes conhecidos, as lideranças, mas também aqueles que, mesmo tendo sido ativos, permaneceram obscuros na história do movimento operário. Esse volume comporta tanto biografias desses militantes quanto históricos de organizações. Possibilita ao leitor ver a classe operária não como uma categoria abstrata, mas como composta de homens e mulheres de carne e osso.


Por que até 1920?


C.B. – O volume não termina em 1920, mas na década de 20, ou seja, dá conta da totalidade daqueles anos. Era necessário encontrar um recorte temporal para encerrar esse volume, que abrange o período do Império e da Primeira República. A idéia é que o projeto do dicionário possa se desdobrar mais adiante para períodos posteriores.


São 839 nomes e 400 organizações de trabalhadores, certo? Como foi feita a pesquisa?


C.B. – São 839 entradas de nomes e 397 entradas por organização. Tanto os indivíduos quanto as organizações podem ter mais de uma entrada. A pesquisa foi feita em obras publicadas, mas também em documentação da polícia, registros de associações, relatórios folhetos e periódicos da época.


Vocês destacam algum verbete?


C.B. – Os verbetes variam consideravelmente de dimensões de acordo com as informações disponíveis tanto no que diz respeito aos indivíduos, quanto nos referentes às organizações. Entretanto, o que interessa em uma obra desse tipo são menos os verbetes individuais, mas o conjunto onde é possível perceber experiências comuns e situações particulares.


***


Lacuna histórica


Entrevista de Claudio Batalha ao site da Fundação Perseu Abramo, 18/2/2009


Você coordenou o Dicionário. No que consiste exatamente esse trabalho?


C.B. – O uso da designação ‘coordenador’ foi por associação com outras obras do gênero. A coordenação de uma obra supõe uma equipe relativamente estável na sua produção, e não foi esse o caso, nesse dicionário. Na verdade trata-se de uma obra de um autor, fruto de mais de 20 anos de pesquisa, que contou com algumas colaborações. Os verbetes assinados, que foram total ou parcialmente elaborados por outros autores, não chegam a 50. Eu teria preferido de fato coordenar uma equipe de elaboradores, mas infelizmente isso não foi possível nesse volume.


Existem similares em outros países?


C.B. – Existem vários outros exemplos de dicionários do gênero, ainda que quase todos sejam exclusivamente biográficos. O principal exemplo é o Dicionário Biográfico do Movimento Operário Francês, coordenado por Jean Maitron, cuja publicação teve início em 1964.


Qual a importância deste dicionário para a história do Brasil?


C.B. – Em primeiro lugar, supre uma lacuna que é a ausência de obras de referência com esse recorte tratando do período abordado. Em nenhum outro lugar o leitor ou o pesquisador encontrará uma sistematização das associações operárias atuantes no período ou dados biográficos abrangendo um grupo tão vasto e heterogêneo de militantes. Em segundo, obras dessa natureza abrem espaço para o desenvolvimento de estudos prosopográficos, isto é, a abordagem das trajetórias de um dado grupo social. Enquanto os estudos de trajetórias biográficas individuais têm ganhado espaço crescente nos últimos anos, as trajetórias coletivas ainda são um campo pouco explorado.


Critérios mais restritivos


Quais foram os critérios utilizados para se chegar aos nomes dos militantes e organizações que compõem o Dicionário?


C.B. – No caso das organizações, o critério foi mais simples: toda organização mutualista, sindical, política, educacional ou cultural formada e voltada por trabalhadores que foi detectada na documentação pesquisada foi incluída. Já nos nomes dos militantes pesaram fatores diversos, tais como: a participação em diretorias de associações, em redações de jornais operários, em delegações a congressos, em partidos operários, as vítimas da repressão policial ou ainda, papel de destaque em movimentos como greves.


Este Dicionário está focado em um determinado período e também em um estado brasileiro. Diante da grandiosidade deste trabalho, você acha que é possível a elaboração de um dicionário único com todas as informações sobre os militantes e as organizações? E de que dependeria sua realização?


C.B. – O dicionário não está focado em um estado, mas de fato em uma cidade, que no Império e no início da República era uma unidade da federação. Isso se deve a dois fatores: a enorme atomização do movimento operário no período, que não tinha um caráter nacional, mas local ou, quando muito, regional. Isso também tem implicações na documentação que teria que ser pesquisada, que não está concentrada em um único local. Do ponto de vista operacional, a realização de um único de caráter nacional, seria possível desde que critérios muito mais restritivos fossem adotados. Para que um projeto dessa ordem pudesse ser levado adiante simultaneamente, seria necessária a montagem de diversas equipes regionais, o que implica recursos humanos e materiais.


Próximos passos


Quais foram as maiores dificuldades encontradas pelos autores dos verbetes?


C.B. – Não posso falar por todos os autores, mas creio que a principal dificuldade é a ausência de dados habituais em outras obras do gênero, como local, data de nascimento e morte no caso dos verbetes biográficos. Esses dados não constam da maioria das entradas. E no que diz respeito às organizações, o período exato de funcionamento desde a fundação – quase sempre esse período é estimado.


Algum fato curioso foi marcante para a equipe que elaborou o Dicionário?


C.B. – Talvez um dos fatos mais curiosos foi ter encontrado o neto de um dos biografados, Victor Izeckson, neto de Isaac Izeckson, que acabou colaborando na redação da biografia do avô.


Quais são os próximos passos?


C.B. – Existem outros projetos de dicionário em andamento que devem resultar em outros volumes de outros estados e regiões nesse período. O mais adiantado é o Dicionário do Movimento Operário no Rio Grande do Sul, organizado por Beatriz Loner, Benito Schmidt e Silvia Petersen, que logo deve ser publicado. Estão em andamento também um trabalho para São Paulo e para Minas Gerais e há possibilidades de estender esse trabalho para o norte e nordeste. Terminado esse período, uma próxima etapa seria produzir volumes para períodos posteriores a 1930.